Capítulo 16
Ele tem um carro pequeno, novo, mas
um carro de gente normal, quer dizer, como eu, se é que sou normal,
e enquanto ligo de volta e fumo pela janela do carro aberta, faz
tanto tempo que não faço isso que meu coração chega a disparar,
que quase esqueço o nome e a lata da traída. Susana, nome de corna,
com certeza, paramos em uma papelaria no caminho para comprar uma
cartolina e um pincel atômico. Léo me contou que faz pouco trabalha
com os espanhóis. Pegaram ele porque era um jornalista frila
sobrando no mercado e tinha boas recomendações, leia-se foi
demitido ou se demitiu de algum lugar por bater de frente em alguém
maior mas é respeitado pelos colegas. Teve que partir para área
frontalmente publicitária do jornalismo. A assessoria de imprensa.
No caso dele envolvia tudo, inclusive marketing. Mas ele preferia
voltar para a imprensa formal. Não podia mais. Escrevia em um blog o
que lhe interessava. Sem nenhum interesse imediato. Repito o que ele
diz como quem entoa um poema em meio a uma canção. Não que entoar
não seja chato. É, mas é o meu poema e a minha canção, então
não é.
O aeroporto estava começando a
encher o normal para uma sexta-feira ainda mais com atrasos provocado
pela chuva e pela neblina intermitente que domina Porto Alegre boa
parte do ano. Não demorou muito para que aparecesse o voô de Susana
no painel e nos dirigíssemos os dois, eu e Léo, como dois
esquisitos para receber uma pessoa que não sabíamos e nem tínhamos
nem a mínima idéia de quem era. João tinha deixado o campo aberto.
Nós éramos de uma empresa de eventos que ele contratara por
telefone para receber ela no aeroporto porque no momento ele estava
impossibilitado por questões de trabalho, questões que nenhuma
mulher reclamaria, ou fingiria que não se importa, pois trabalho é
trabalho, não é?
Não foi difícil enxergar quem era a
tal Susana. Loira, o tipo de loira com quem um sujeito covarde
casaria. Bonita, porém totalmente fútil. Veio direto ao nosso
encontro, largou despretensiosamente as malas para Léo e nem olhou
para a minha cara dando um boa tarde formal e sorrindo um sorriso de
propaganda de creme dental. Falsa até os ossos, se descobrissem ela
no deserto, certo que era um fóssil de plástico. Totalmente falsa.
Aposto que até a raiz dos pentelhos, se é que ela não raspa tudo,
essa nova moda de americanizar e achar que tudo é um filme pornô
soft da Playboy.
No caminho acendi o cigarro e ela
pediu para apagar. Onde já se viu fumar num carro, me deu uma
mijada, engoli em seco. Léo ainda puxou assunto perguntando se era
bom morar onde ela morava, Petrópolis. Ela respondeu que fazia pouco
tempo que moravam ali, ela preferia um condomínio na zona sul, mas o
João não queria ficar longe dos amigos de infância, leia-se a
comunidade e os contatos, e ficaram por ali, quem sabe um dia, quando
tivessem filhos não seria melhor um lugar retirado longe da
violência, das drogas e toda aquela balela neurótica de loira de
farmácia que assiste muito o jornal matutino e acredita em tudo o
que falam. Quando paramos em frente ao prédio, Léo desceu e
carregou as malas até a portaria. O porteiro veio ajudá-la. Eu
fiquei no carro. Acendi meu cigarro que ainda segurava na mão
direita e dei uma bela tragada fitando a idiota nos olhos. Ela fez
que não viu. Puxou da bolsa uma nota de vinte reais e quando Léo se
negava a aceitar, eu peguei. Agradeci. Ela sorriu de volta. Ele me
olhou me condenando e eu pisquei o olho. Nada como cornear uma
imbecil e ainda ganhar troco por isso. Boa sorte, pensei. Dei o braço
esquerdo para Léo e voltamos para o carro. O dia estava ficando
escuro de novo mas para mim parecia o mais belo amanhecer frio de
primavera de Porto Alegre. Odeio imbecis, mas odeio ainda mais quando
o imbecil é uma loira falsa. Morra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário