Capítulo 17
Estava aliviada. Léo colocou uma
música do Oasis, nem gosto muito de Oasis, ele disse que gostava.
"Don't look back in
anger" ele cantarolava dirigindo Protásio Alves
abaixo quando baixou uma nuvem preta e começou a chover
torrencialmente. Mais um pouco e eu acho que chovia granizo. Léo
pegou uma rua lateral e senti o baque embaixo do meu pé direito.
Passamos por uma poça que escondia um buraco enorme nas pedras da
rua. Furou o pneu dianteiro direito. Léo saiu do carro e voltou
logo, com a maior cara de desânimo do mundo. O estepe tá murcho.
Pensei, mas que diabos, e logo depois imaginei que o meu deveria
estar tão murcho quanto o dele. Acho que dá pra andar até um
posto? Agora? No meio dessa chuvarada? Duvido. Me respondeu ele.
Pegou o celular e chamou um táxi. Sentou ao meu lado e esperou.
Estava ensopado. Os cabelos antes alinhados escorridos no rosto. Ele
tinha uma bela franja que escondia penteando o cabelo de lado. E
alguns fios que estavam nublando. Quase grisalhos. Pensei em
agarrá-lo ali. Era a hora. O disco do Oasis estava terminado. Era
uma coletânea dele mesmo, acho, e vinha com uma tal de Champagne
Supernova que ia crescendo e me fazia lembrar da champanha
de ontem e o conhaque que ainda queimava minha garganta. Passei a mão
na sua nuca e fiz um carinho sem pensar. Quando ele fez menção de
abrir a boca, um vulto alaranjado brilhava ao nosso lado. Era o táxi
buzinando.
O taxista era um desses que começa a
falar sobre o tempo e termina contando a história da vida. Só
queríamos chegar na minha casa, pegar a chave reserva do meu carro e
buscá-lo no estacionamento. O tal João era só um detalhe no meio
dessa história toda. Mas o taxista queria era falar dos seus sete
filhos e dos seus dois casamentos. Olha só, trabalhei, começa ele,
trabalhei como um cão danado, criei quatro filhos, tava casado fazia
vinte anos e do nada me apaixonei. Foi aqui nesse carro mesmo, peguei
uma passageira, mais jovem que tu, ele me olha e ri pelo retrovisor,
e quando vi a gente era amante e ela tinha engravidado. Como? Não
sei. Sei que faz quinze anos tô casado com a segunda e tenho que
pagar a pensão da primeira e mais os quatro filhos, quer dizer os
mais velhos já se viram, um até faz a noite do meu carro. Mas não
é uma vida louca essa mesmo? A Ju, minha mulher atual, sempre fala,
é a maldita espumante, como ela diz. Peguei ela numa saída de
casamento e ela tava sozinha, linda, arrumada, vocês tinham que ver,
uma princesa, tinha sido dama de honra, imagino eu a lindeza que
deveria estar a tal Ju saindo de algum casamento de pobre, mas enfim,
a história é dele não é mesmo? E ela me contou depois de anos que
estava bêbada e tontinha e quando me viu achou engraçado, me achou
mais velho, eu ainda não tinha essa pança de hoje, então ela
sentou na frente e em vez de pararmos na casa dela, paramos no motel.
Nem cobrei a corrida. Até hoje ela tenta me pagar. Mas eu não
cobro. Eu amo ela. É a mulher da minha vida. Dessa vida vou me
aposentar, como queria da primeira vez, trinta e cinco anos de carro
é muita estrada. Pegar a neguinha e morar em Tramandaí. Já separei
uma poupança e tenho uma casa em vista por lá. Criar os guris
soltos, ter uns cachorros e no verão dá pra ganhar uns trocos com
um carro por lá. Sem pensar muito. Ela trabalha com crianças, se
formou pedagoga, sabem? E pra pedagoga sempre tem trabalho, tchê. Eu
já ia quase pedindo pra ele parar e eu poder fumar, parar e voltar
assim do nada dá uma vontade doida de fumar ainda mais, mas daí o
que aconteceu foi que o táxi simplesmente parou. Parou! Parou em
plena Goethe, debaixo de chuva e nem me perguntem como. O taxista,
que realmente agora via que tinha uma senhora pança foi lá atrás e
abriu a tampa do combustível. Depois voltou e olhou pra nós. Podem
descer. Eu chamo outro colega pra vocês. Essa merda de marcador não
tá marcando nada. Pensei que dava pra trazer vocês, mas acabou a
gasolina. Em trinta e cinco anos é a primeira vez que me acontece
isso. Sem gasolina. Não acredito. Nem eu, gordo, nem eu.
Toca o celular e é o João
perguntando se deu tudo certo com a mulher dele. Sim, filho de uma
puta, deu tudo certo, mas ainda não conseguimos um chaveiro. Como
estamos perto, apesar de toda a chuva que cai, encontramos uma dessas
casinhas de chaveiro abertas e conversamos com o próprio. Ele nos
promete que logo estará no meu apartamento e então combinamos de
nos encontrar lá e vamos a pé mesmo. O taxista ainda tenta
argumentar, mas desiste. Prefiro me molhar toda a escutar mais uma
vez essa papagaiada toda de história da minha vida. Odeio a história
da vida dos outros. Só gosto da minha e já acho ela um melodrama
muito do mal contado, viu narrador?
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