domingo, 18 de dezembro de 2011

Lançamentos - Um Sistema Falido

Dizem as regras sociais que devemos, você deve, caro candidato a escritor, comparecer ao lançamento de seus colegas, ou futuros colegas. É de bom tom beber o vinho de marca incerta, mas é de graça então ninguém vai reclamar, se for um lançamento mais rebuscado até rola uns sanduichinhos, salgadinhos e coisas do gênero, cumprimentar sem se saber direito quem é o outro, ser afável e comentar sobre tudo, mesmo que não se tenha lido sobre nada.

Meu pai tinha um lema sobre literatura, ele tinha pavor que eu dizesse que era escritor, criado na colônia italiana do Rio Grande do Sul, escritor para os descendetes de italianos é sinônimo de vagabundo. Mas o lema dele, bom, segundo ele, que não lia muito, bastava ler uma história que já tinha lido todas. Das outras ele só lia as orelhas. Com o filme funcionava assim. Ele olhava os mesmos filmes, faroestes principalmente, dez vezes, mas os outros ele assistia um pedaço e dizia já saber tudo antes do fim, mesmo que não soubesse. A grande sacada era que ele inventava o fim que queria dentro da cabeça dele e foda-se o que o autor ou diretor tinha feito.

Bom, não era sobre o meu pai que eu falava, era sobre lançamentos. Pois bem, eu mesmo não gosto de lançamentos de livros, assim como não gosto de saraus, a não ser quando eu falo, poderia falar por horas, não duvidem, adoro um microfone. Sou tipo Monza antigão, demoro pra acelerar, mas depois grudo no chão e não tremo nas curvas. Mas lançamentos? Sei lá, velho, eu mesmo só ia com meus amigos porque eles queriam bebida grátis. E eu também. Foi daí que quando lancei um livro por conta própria lancei num bar. Porque daí cada um paga a sua bebida e foda-se.

Obviamente que respeito, ou não, os ritos sagrados que os escritores dão aos lançamento de seus livros. Mas, sinceramente, é um sistema falido. O lançamento não existe mais. O encontro com o leitor? Para, meu, o leitor te encontra quando lê o que tu escreve. Se não gostar, foda-se. Se ninguém gostar, foda-se tu. Ou tu é um péssimo escritor ou ainda não encontrou teu público. Mas, resumindo, o lançamento como um encontro social de pessoas interessadas em literatura me parece mais com uma dessas festas de solteiros. Se o motivo da festa já existe antes, a festa perde o sentido.

Odeio lançamentos.

Mas vou nos dos meus livros.

Por causa da bebida, claro.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O CONTO DA BESTA

Texto que publiquei em 2004 originalmente em http://www.olobo.net/index.php/?pg=colunistas&id=182
(site organizado por Jean Scharlau com texto de Fausto Wolff e colaboradores).

O CONTO DA BESTA

O conto, como é descoberto, é a perfeição do estilo literário.  Se a literatura é o pão que alimenta nossa imaginação, o conto  é uma migalha perfeita. Pois o pão nada mais é que um amontoado  de migalhas. Talvez alguém responda.

Mas e o romance?  O romance não é pão. O romance é manteiga. Nosso alimento  é pão. Manteiga é complemento. Excesso. Romance é prazer. Conto é sede. Quem tem sede, bebe pouco. O conto é a excelência do  silêncio. Das entrelinhas. Do rigor poético do não-dito.

A história humana é recheada de pontos falhos. Daquilo que não  é dito. Se o romance e outros estilos são compostos por um longo choro, baixo e resistente, o conto é um grito de revolta. Podem dizer que não temos que nos revoltar. Mentira. Essa é a mentira pregada por aqueles que se alimentam de nossos 
sonhos e escrevem nossas vidas num roteiro sórdido.

O conto de descobre nesses momentos de lucidez que um ou outro  atravessa e consegue transpor em linguagem escrita. Mentem aqueles que dizem que a literatura não serve para nada. Serve sim. Toda a expressão artística é serviçal de algum propósito que, se a princípio pode parecer egoísta e individual, é um fim coletivo.

Diminuir a importância da literatura é desacreditar a linguagem. Desacreditada a linguagem, voltamos às trevas das bestas. Sem linguagem, somos bestas. O domínio da linguagem é o domínio  da sociedade que é regrada pela linguagem. Logo, a literatura,  expressão subjetiva da linguagem, é um instrumento de dominação.

E o conto, com sua perfeição reducionista, é o grito inconsciente de  uma coletividade prisioneira. A expressão artística é a arma da alma. É nela, e através dela, que realmente vivemos. Pelo menos, se me permitem meu individualismo arrogante,  é a minha vida. A vida expressa nos contos que vêm da alma 
rasgando minha pele e invadindo a vida de meus, ainda, pouco  leitores. A intimidade me faz sentir parte deles, neles viver e eles  viverem em mim, como se eu fosse um ladrão de suas vidas e eles 
enxergassem o que meus olhos coloridos enxergam. 

E mesmo assim não se deixem iludir. 

Estou ensinando a besta a escrever.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Zero-Zero e o Bizarro

Ontem recebi meu exemplar da antologia Geração Zero Zero, Fricções em Rede, organizada pelo Nelson de Oliveira e lançada pela Língua Geral, da qual faço parte. Tirando a antecipada polêmica do conceito de geração, de como foram selecionados os autores e da, claro, arbitrariedade que vem dessa escolha, prefiro antes de tudo falar sobre o ponto em comum evidenciado pelo Nelson de Oliveira ao explicitar características da geração por ele reunida em 20 e poucos autores mais representativos. O triunfo do bizarro.

Nem vou entrar em detalhes do significado da palavra "bizarro". O bizarro convencionalmente é o estranho. O estranho só é estranho em relação a algo. Neste mundo pós-tudo e pré-tudo, pois obviamente estamos numa acelerada mudança de costumes e verdades, o bizarro se confunde com o cotidiano. Tudo é novo, é estranho, é normal e, por isso mesmo, é bizarro.

Claro que existe o bizarro clássico. Em um dos contos que escrevi para a antologia o personagem começa a suar ratos. Suar ratos realmente é bizarro em todos os sentidos e épocas. Ninguém sua ratos. Obviamente também ninguém vira zumbi, por exemplo, ninguém ressuscita dos mortos, e os filmes de zumbis, alguns baseados em games, estão por aí fazendo sucesso, o que me lembra um fato acontecido comigo mesmo.

Estava eu no Bambu's, um bar fedido da Alberto Bins em Porto Alegre e na minha mesa encontrava-se o Hermano e sua namorada Gabi. Por baixo da minha camisa aparecia uma corrente que volta e meia saltava para fora. Gabi, tendo lido alguns contos meus, e já tendo uma ideia, pré-concebida, sobre mim, perguntou porque eu usava aquela corrente. Era uma corrente com um crucifixo na ponta. Tu é católico? Perguntou. Sou, respondi. A reação dela foi de estranhamento.

Obviamente pelo conceito atual Jesus Cristo é um zumbi. Afinal, levantou-se das catacumbas e saiu por aí a pregar seu Evangelho. Mas não é isso que interessa agora. O que interessa é que ali se estabelecia o bizarro da cena. Marcelo Benvenutti, que escreve sobre bêbados solitários, gente "doida" e quetais, um profano e herético, anda com um crucifixo no peito e se diz católico. O bizarro quebra os conceitos. E os preconceitos. Ele deforma a leitura para melhor entendermos o normal. Ou pelo menos questioná-lo.

Dentro desta ideia de bizarro, a quebra, a ruptura, concordo com Nelson. Não conheço o texto da maior parte dos autores da antologia. Não conheço nem eles. Tirando 5 ou 6 que conheci pessoalmente, quase não mantenho contato com nenhum. Mas conheço muitos dos que já estiveram em antologias anteriores. Li alguns. Não sou nenhum estudioso dos meus contemporâneos como o Nelson. Longe de mim. Mas quando gosto de algo, certamente se insere nesse conceito, vago e confuso, claro, de bizarro.

A quebra, a ruptura, o estranho entre nós. Esse algo que perturba e instiga e pressupõe que estamos perdidos em um mundo convulsionado. Não existem verdades absolutas. Nem mentiras. Quando o bizarro se torna comum, o comum é bizarro. Sobre isso que falamos. E também sobre amor. Mas isso sou eu que falo. No fundo é tudo sobre amor. Mesmo que alguns ainda achem que é sobre política. Amor e política se confundem. E isto também é bizarro. Foi assim que comecei a rargar cartazes. Mas isso é outra história. Que conto outro dia.

Dia 12 de julho na Palavraria da Vasco, em Porto Alegre. Espero vocês lá. Ou me deixem sozinho. Não será bizarro. Acreditem.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Toca Um Bukowski Aí

Porto Alegre é pródiga em grupos de rock, viados e leitores de Bukowski. Não necessariamente nesta ordem e nem no grau de preconceito. Os roqueiros se subdividem em várias espécies: sessentistas, oitentistas, hippies, grunges, punks, coldplayers e todo o tipo de maneira patética de se juntar a outros e tentar ser um pop star de bairro.

Os viados, agregados, simpatizantes, lésbicas, etc. fazem parte de um grupo heterogêneo que compreende artistas, cadelinhas undergound, fugitivos do interior e castelhanos em geral. Entre em um bar, peça sua ceva e fique num canto. Se você é gay, vá dançar. Se não, fique na sua. Homens não dançam. Só quando bêbados.

E, finalmente, os leitores de Bukowski. Que, talvez, também tentem ser escritores cover do Bukowski. É assim desde que o mundo é mundo e o primeiro cretino, um ancestral do Bukowski, resolveu quebrar um bar por ser idiota, apanhar, tomar um porre, comer uma mina gorda fedorenta e escrever com detalhes sobre tudo isso. Foi o começo do fim. Qualquer um que considere juntar uma vogal depois de uma consoante ser genial se acha no direito de encher a cara e voltar pra casa arrastando os pés cheios de vômito e mijo e escrever sobre noitadas obtusas e a imbecilidade da América.

Só que você não nasceu na América. Você é um subtropical desgraçado de uma cidade mundana e perdigota chamada Porto Alegre (mas poderia ser Curitiba, São Paulo ou Salvador que daria no mesmo) e não é Bukowski. Você é a merda que você é. Uma merda multiplicada dentro de você pela porcaria de vinho doce que tomou na frente do Bell's ou do Bambu's (pros mais velhos uma katcha do morcego no João; John's é pro William Burroughs, manés).

Você acha que escreve bem porque emula textos ruins do Bukowski. Só que Bukowski escrevia textos ruins emulando Gorki, o bebum russo assassinado pelo Stalin. Bukowski não era um perdedor porque curtia. Ele era um perdedor porque era um alemão feio que nem um cão, sexualmente recalcado, odiosamente cretino e nem um pouco afeito à normas socias de bunda moles como tu.

E mesmo que você queira que amem Bukowski e veja Bukowski em todos os contos ou romances em que rolem putaria, bebedeiras ou violência gratuita, não é. Cada um é o que é. Bukowski nem era melhor ou pior por conta disso. Claro que quando aqueles outros, os acadêmicos (e outros que acham que sabem de vida) falarem que Bukowski era um analfabeto idiota, você vai brigar. E com razão. Você é um cover, mas não é um calhorda. O que é bom, é bom.

Só não adianta tentar imitar.

original e cópia
(ou o contrário, sei lá)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Seguindo Seu Próprio Ritmo

Não seja reticente com as oficinas. Eu não sou. Se você precisa expulsar demônios (seu psiquiatra lhe mandou escrever), cansou de escrever memorandos no escritório (é chato ser um burocrata com imaginação), petições no escritório (meu deus, você é um advogado que sabe escrever muito bem) ou acha que pode fazer melhor que aquele imbecil bem pago que escreve a novela das oito (certamente você escreveria se realmente soubesse), as oficinas podem ser um bom passatempo.

Seria maldade dizer que ninguém tira nada de uma oficina literária. Tira sim. Conheço pessoas que tiraram pessoas nas festas. Tem gente que pegou umas minas, ou uns minos, e teve gente, pasmem, que até realmente escreveu um livro. Mas nada que tenha sido alterado pela oficina. Prefiro acreditar que não. Quem escreve boas histórias ou alcança a graça de ser um escolhido (assim se tratam entre eles) entre os escritores, seria um com oficina ou sem. Se você é daqueles que só acredita em trabalho e não também na subversão do destino, não leia este blog.

Eu bem que gostaria de ser baterista. Sabe, tenho o ritmo no sangue. Eu sinto. Adoro música. Sinto o ritmo sem que exista a batida. O ritmo está ali. Como está quando dirijo, ou quando caminho ou quando digito estas palavras. Uma viadagem meio beat, tá ligado? Ritmo. Mas não rola. Tentei. Comprei uma bateria. Não tinha coordenação para acompanhar os pedais coms as mãos. Não me ligava no que tocava o resto, os outros, afinal, um baterista solitário não faz uma banda. Mesmo imaginei que poderia ser apenas um bando de punks espancando instrumentos. Quando eu tentava ainda não existia White Stripes. Mas não dava certo. Não entendo e nem consigo captar nada de notas, afinações, acompanhamento, nada. Seria apenas um frustrado em meio a tantos outros. Seria apenas mais um portoalegrense tentando ser popstar de bairro.

Nunca foi o mesmo com escrever histórias. Minhas histórias vem da cabeça. Quando escrevo elas já estavam escritas. Não existe método pra isso e nem quero que tenha. Se existem teorias, métodos, etc, que cada um guarde para si. Não tente copiar o dos outros. Isso não existe. Existe o teu. Ou crie um, que na verdade se criará por conta própria, ou desista. Lógico que, se por satisfação pessoal ou porque é menos perigoso que se encher de Lexotan ou uísque, você queira escrever. É problema seu e de mais ninguém. Existe mercado pra todos. Até para os ruins. Não sou elitista. Deusolaivre! Que os elitistas se enforquem em seus próprios diplomas e títulos. Só quero que cada um siga o seu próprio ritmo. Mesmo que seja o silêncio.

be                                        bop