quarta-feira, 4 de abril de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 10


Capítulo 10

E vai se lembrar de tudo que tem dentro da própria bolsa? Com certeza, cartão de crédito. Quantos? Não sei. Nunca sei quais eu desbloqueei ou não. Tem os de livraria, os de lojas de departamentos, os de supermercado, os de crédito mesmo, dos bancos, sem valor nos dos postos de gasolina. É muito cartão pra ligar e cancelar. Vai saber pra que vão usar e se vão usar meus cartões O cara vem me rouba e troca bolsa fechada por crack. Só me resta procurar essas drogas de páginas. internet e ligar pros desgraçados do atendimento. Dizem que desgraça nunca vem sozinha, não é? Sempre vem de três. Bom, trepei com alguém que não sei quem é. Deixei a pessoa trancada dentro da minha casa. Fui assaltada. Não consigo pegar meu carro. Quebrei o salto do sapato. O que mais me resta?

Número da identidade? Como eu vou saber se me roubaram a identidade junto, porra? Claro que não lembro meu CPF. Tá achando que eu sou o que? Contadora? Eu nunca lembro o número do meu CPF. Pra isso que ele está anotado em um cartão. Pra eu ler quando precisar. Ou pra que tu acha que existem cartões? Se não existisse bastava só a gente decorar no dia que tirava a carteira. O cara da Receita Federal olha pra ti e fala: Presta atenção, minha filha, contribuinte. O negócio é o seguinte. Vou te dizer agora o teu número de CPF e tu decora. Mas decora mesmo. Porque se tu perder o cartão não vai te servir de nada dizer teu nome completo, entende? Sim, eu entendo. Óbvio que eu não lembro de nada. Guria. Só meu nome completo e minha data de nascimento. Meu nome é Marina nonono. Não é nononu. É nonono. Com entonação no último no. Meu aniversário é primeiro de abril. Sim, o dia dos bobos. E eu sou a maior de todas. Ariana e estúpida sem noção. Ah, tu também é de Áries? Que legal, né? Quem sabe a gente faz uma convenção de estúpidas na tua casa, por acaso, assim, do nada? Não, eu não tô sendo grossa, só quero cancelar o meu cartão de crédito antes que apareça o meu saldo sendo todo resgatado num ponto de crack. Sim, já deve ter maquininha no ponto. Como eu sei? Olha aqui, eu sou publicitária, já cheirei, todo publicitário um dia cheirou. Claro que sim. Todos cheiram. Menos os alcoólatras. Então eu não sei se tem maquininha na vila, mas deve ter um jeito, não é? Olha, eu nasci quando o Fred Mercury ainda tava vivo. Não sabe quem é? Tá, eu nasci quando o Elvis ainda não tinha morrido. 1977, caralho. Vai cancelar o cartão? Vai mesmo? Não quer saber o nome da minha mãe? Completo? Ainda bem. Ela casou de novo e ainda não decorei o nome do outro marido dela. Obrigado. Se eu tenho caneta pra anotar o número do protocolo? Sim. Amo de paixão anotar números de protocolos. Inclusive quando vou gozar, realmente gozar, fico gritando os números de protocolos de 0800 que anotei no dia anterior. Me dá o maior tesão. Diz de novo. Ah, tesão. Depois de cinco orgasmos e duas barras de cereais, terminei. É foda se endividar hoje em dia.

Mas ainda tinha mais. Sempre tem mais. Eu estava sem um puto no bolso. Mas tinha um puto, quer dizer, um filho de uma puta, em casa. E tinha que arranjar dinheiro. Olhei em volta. Não que eu queira falar mal de meus colegas. Na minha sala tem mais uns cinco ou seis, depende se contar estagiário. Estagiário, vocês sabem, não é funcionário. Não é empregado. Não é gente. É pior que escravo. Escravo pelo menos tinha o que comer. Estagiário come resto. Resto do resto. Enfim, pedi pra Sara, que me olhou com a cara mais sem graça do mundo. Aceita cartão? Mandei ela enfiar no cu. A Clau me olhou antes de eu perguntar e mostrou o carnêzinho de vale-refeição. Nem perdi meu tempo respondendo. A Patrícia, só de pensar em dizer o nome, já desisti. Me restaram os homens. Luís? Não. Ele estava certamente olhando putaria e eu que não ia interromper a punheta mental dele. Sobrou o estagiário. Não sei o nome dele. Pe, pa, pum, alguma coisa. Não sei. Pedro? Não sei. Ele não tem cartão. Estuda na Famecos. Me alcança vinte reais e olha para os meus pés. Ainda estou descalça. Agora me lembrei. Eu fiquei com ele no fim do ano. Ou no meu aniversário? Não lembro mais. Mas eu sei que fiquei. Me paga quando der, me diz ele. Quase penso ai que fofo. Mas desisto. Hoje não acho nada fofo. Agradeço e saio de perto. Sei que ele olha minha bunda. Bom, pelo menos alguém olha minha bunda. Penso no gostosão espanhol. Concentração. Mantenha o foco. Tirar o João de sua casa. Pegar a corna no aeroporto. Tirar meu carro do estacionamento. Pegar o gostosão, não! Não, falar com o Cocó. Tinha esquecido. Eu também sou empregada. Mais que escrava, mas, mesmo assim, sem os açoites, acorrentada.



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