Capítulo 14
Geralmente Paulo marcaria o almoço
em algum restaurante do Moinhos mesmo. Mas não era o caso. Eram
espanhóis perdidos em Porto Alegre, capital do sangue e da carne
crua. Nos dirigimos a uma destas churrascarias horrorosas com danças
típicas e boi berrando no espeto de tão vivo. Eram estrangeiros
querendo assistir nossos exóticos costumes, entre eles o da doida de
ressaca que passa a mão nos peitos enquanto apresenta um projeto de
marketing. Eu.
Chegamos antes e Paulo me entregou um
cálice de conhaque no bar. Fiquei olhando pra ele. É bom pra
digestão. me diz. Que conversa de velho, Cocó. E também pra matar
ressaca. Que seja. Bebi. Queimou minha garganta mais que o mata rato
do guarda do estacionamento. Como os espanhóis não chegavam, bebi
mais uma taça. Desceu bem melhor. Cocó me olhou mais estranho
ainda. Ou eu estava enxergando tudo mais estranho. Sei que como
aqueles espanhóis desgraçados sendo que um deles era o meu Javier
Bardem da hora, não chegavam nunca e eu já tava me coçando toda e
com vontade de abrir ainda mais a camisa no peito, quando pedi mais
um cálice do tal conhaque e fiquei pra lá Bagdad, na verdade, pra
lá do Afeganistão. Eu tava na caverna do Osama. E sem papoula.
Os espanhóis chegaram e sentaram-se
em uma mesa próxima ao palco de apresentação. Mal nos
cumprimentamos e pedimos as bebidas, vinho tinto porque eles eram
espanhóis negociantes mas longe de casa e queriam era mais
aproveitar longe de suas respectivas e eu, euzinha, era o centro de
atenções daqueles chauvinistas cafajestes e salafrários. O mais
velho se chamava Carlo, e o Paulo insistia em chamá-lo de Carlitos.
E cada vez que o chamava de Carlitos eu ria e bebia mais vinho. Nem
queria saber daquele catatau de carnes sangrando. No matambre os
espanhóis se perderam. O cara de bebê, que mais parecia um emo de
férias, tinha um modo afetado de falar até para um castelhano,
pediu três matambres um atrás do outro. Nem quero imaginar se
alguma mulher, ou homem, ou até o velho, vão dormir com o babyface
hoje de noite. Na verdade o velho, que nem é velho, tem seu charme.
O Paulo é que esculhamba com toda a moral chamando ele de Carlitos.
parece que são amigos de colégio. Dá uma impressão muito chata.
Eu continuo falando e nem sei direito quais são os assuntos e se me
entendem, pois apesar de arranhar num dialeto portenho, que não é
espanhol, eles me compreendem, e riem sem parar. Menos o gostosão.
Ele não é espanhol. É gaúcho. De Porto Alegre. Mora duas quadras
da minha casa e jamais vi ele ali por perto. Eu trabalho muito,
responde ele. Não bebe vinho. Só água com gás. Me observa mais
que os outros. Eu sinto calor quando olho pra ele. Sabem calor? A
gente olha para alguém e a temperatura sobe mais ou menos uns 15
graus Celsius. Imaginem então naquela churrascaria que mesmo com ar
condicionado era um forno?
Os espanhóis pedem outro vinho. E
outro. Eu explico, não sei como, as danças que aquela gente faz no
palco. Chamo a chula de dança do pau e o Leonel, é o nome do
gostoso, ri alto. Os espanhóis não entendem e ele não explica. Na
verdade o negócio já está fechado. Paulo e o coroa vão se reunir
depois do almoço na agência e assinar os papéis. Minha parte está
feita. Léo, ele prefere ser chamado assim, me explica que é pra não
se lembrar que o nome é uma homenagem ao Brizola, que ele não quer
nem saber. Me fala de política. De economia. Ele poderia falar sobre
fissão nuclear que eu acharia o melhor assunto do mundo assim mesmo.
Continua falando, Léo. Eu quero dar pra ti. Eu vou te comer. Estico
o braço com o cálice na mão. Mais vinho?
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