quinta-feira, 19 de abril de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 14


Capítulo 14

Geralmente Paulo marcaria o almoço em algum restaurante do Moinhos mesmo. Mas não era o caso. Eram espanhóis perdidos em Porto Alegre, capital do sangue e da carne crua. Nos dirigimos a uma destas churrascarias horrorosas com danças típicas e boi berrando no espeto de tão vivo. Eram estrangeiros querendo assistir nossos exóticos costumes, entre eles o da doida de ressaca que passa a mão nos peitos enquanto apresenta um projeto de marketing. Eu.

Chegamos antes e Paulo me entregou um cálice de conhaque no bar. Fiquei olhando pra ele. É bom pra digestão. me diz. Que conversa de velho, Cocó. E também pra matar ressaca. Que seja. Bebi. Queimou minha garganta mais que o mata rato do guarda do estacionamento. Como os espanhóis não chegavam, bebi mais uma taça. Desceu bem melhor. Cocó me olhou mais estranho ainda. Ou eu estava enxergando tudo mais estranho. Sei que como aqueles espanhóis desgraçados sendo que um deles era o meu Javier Bardem da hora, não chegavam nunca e eu já tava me coçando toda e com vontade de abrir ainda mais a camisa no peito, quando pedi mais um cálice do tal conhaque e fiquei pra lá Bagdad, na verdade, pra lá do Afeganistão. Eu tava na caverna do Osama. E sem papoula.

Os espanhóis chegaram e sentaram-se em uma mesa próxima ao palco de apresentação. Mal nos cumprimentamos e pedimos as bebidas, vinho tinto porque eles eram espanhóis negociantes mas longe de casa e queriam era mais aproveitar longe de suas respectivas e eu, euzinha, era o centro de atenções daqueles chauvinistas cafajestes e salafrários. O mais velho se chamava Carlo, e o Paulo insistia em chamá-lo de Carlitos. E cada vez que o chamava de Carlitos eu ria e bebia mais vinho. Nem queria saber daquele catatau de carnes sangrando. No matambre os espanhóis se perderam. O cara de bebê, que mais parecia um emo de férias, tinha um modo afetado de falar até para um castelhano, pediu três matambres um atrás do outro. Nem quero imaginar se alguma mulher, ou homem, ou até o velho, vão dormir com o babyface hoje de noite. Na verdade o velho, que nem é velho, tem seu charme. O Paulo é que esculhamba com toda a moral chamando ele de Carlitos. parece que são amigos de colégio. Dá uma impressão muito chata. Eu continuo falando e nem sei direito quais são os assuntos e se me entendem, pois apesar de arranhar num dialeto portenho, que não é espanhol, eles me compreendem, e riem sem parar. Menos o gostosão. Ele não é espanhol. É gaúcho. De Porto Alegre. Mora duas quadras da minha casa e jamais vi ele ali por perto. Eu trabalho muito, responde ele. Não bebe vinho. Só água com gás. Me observa mais que os outros. Eu sinto calor quando olho pra ele. Sabem calor? A gente olha para alguém e a temperatura sobe mais ou menos uns 15 graus Celsius. Imaginem então naquela churrascaria que mesmo com ar condicionado era um forno?

Os espanhóis pedem outro vinho. E outro. Eu explico, não sei como, as danças que aquela gente faz no palco. Chamo a chula de dança do pau e o Leonel, é o nome do gostoso, ri alto. Os espanhóis não entendem e ele não explica. Na verdade o negócio já está fechado. Paulo e o coroa vão se reunir depois do almoço na agência e assinar os papéis. Minha parte está feita. Léo, ele prefere ser chamado assim, me explica que é pra não se lembrar que o nome é uma homenagem ao Brizola, que ele não quer nem saber. Me fala de política. De economia. Ele poderia falar sobre fissão nuclear que eu acharia o melhor assunto do mundo assim mesmo. Continua falando, Léo. Eu quero dar pra ti. Eu vou te comer. Estico o braço com o cálice na mão. Mais vinho?


Nenhum comentário:

Postar um comentário