quarta-feira, 30 de maio de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 24


Capítulo 24

Desde sempre homens e mulheres se desafiam. Dizem que a primeira bebida fermentada no mundo foi uma fruta que apodreceu e um homem esfomeado a comeu e viu que o lance dava barato. Então começou a colher frutas e as deixar apodrecer para tirar o suco e beber. Alguns especialistas dizem que essa industrialização foi o início da sedentarização do homem e o fim da sociedade matriarcal. Com o homem produzindo perto de casa, ele queria mais poder, por certo. A mulher, que antes mandava na tribo enquanto os machos saíam pra caçar, e só enchiam ela quando queriam sexo, deu um jeito de manipulá-los. Foi daí que nasceu o domínio pelo sexo. Os homens, tropicando após ingerir um pouco da goroba, queriam coisinhas com as mulheres. Estas criaram regras. As regras. Toda as regras. Antes não existiam regras. São as regras que nos comandam, nós homens, até hoje. Marina conhece as regras por instinto. São milhares de anos em que elas são passadas geneticamente e vão sendo melhoradas e adaptadas, independentemente da sociedade que tenta as cercear. Pelo medo ou pelo terror. Nada pode vencer as regras que existem desde sempre. As regras são como as frutas que caem do pé e fermentam ao sol. Por mais que tentem destruí-las, elas governarão a Terra. Duvide quem quiser. Mulheres e champanhas governam o mundo.


sexta-feira, 25 de maio de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 23


Capítulo 23

Quico estava com fome, afinal, era muita champanha para pouca proteína. Baixamos de táxi porque eu não queria dar chance pro azar de novo, vai que fura um pneu e eu, na rua, sem estepe, por aí, largada, com um amigo gay pra ajudar a pedir ajuda? Não. Tô fora. Quico queria comida chinesa, mas eu disse não. Eu queria algo mais massudo. Me deu a louca e pedi pra descer num bauru. Em Porto Alegre é assim, lugar onde tem bauru a gente chama de bauru. E bauru é um pão cervejinha, um pão que parece uma bunda com um rego fundo, enoooorme, com um bife enooorme dentro e cebola e queijo e, se quiser ovo. É um absurdo. Quico me olhou com um olhar de quem diz goooorda, mas desistiu de falar. Ficou na porção de fritas, nervoso mergulhava as batatas no fundo do pote de maionese, que veio junto com o meu bauru e eu devorei como uma cavala, cansada que tava de ver tanta gente, os espanhóis, comendo carne e eu só na salada e na enganação. Fodam-se os pneus que podem inflar. Amanhã eu furo eles caminhando no Parcão. Dou um jeito. Durmo um dia todo. Não como nada na semana que vem. Vivo de água e bolacha integral. Dane-se! Esse é o melhor lanche janta que fiz nos últimos anos. Dane-se o bafo de cebola. O cheiro de carne. Léo, me espera. Caminhamos um pouco e paramos num posto de gasolina. Compramos garrafinha de champanha e vamos bebendo pela rua como se fossem long necks.

Estava tão bom caminhar pela rua e pela noite que tinha ficado tão fresca e iluminada que não dava vontade de pegar outro táxi, outro stress, outro sujeito contando, falando, enchendo, saindo e entrando em curvas, que decidimos fazer o resto do caminho até a festa a pé. Não era muito longe. Só umas três ou quatro quadras. Como se fosse verão e eu voltasse a ser adolescente em Capão da Canoa, Atlântida, quer dizer. As noites na praia, alguns quilômetros pela noite, bebendo capeta e falando bobagens com os guris da rua. Tudo era festa no verão e nós éramos garotas estúpidas de classe média somente querendo beber longe dos pais e fazer fiasco. Quico completou. Era mesmo bom no verão, não é? Não sei como ele chegou no comentário que eu esperava, afinal, eu só estava pensando e não contando, como conto para vocês, mas Quico sentia o mesmo que eu, só que com um ar de nostalgia reprimida. As suas lembranças eram truncadas pelo preconceito. Me deu a mão e começou a pular e rir. Tu pegou dinheiro, doida? Não. Quem pagou a conta no bauru? No posto sei que tu pagou no cartão, mas quem pagou meu lanche? Quico riu mais alto. Ninguém. Soltou minha mão e saiu cantando na frente: De jeito maneira, não quero dinheiro, quero amor sincero! E ria como uma criança em pleno verão. Um adolescente bêbado em êxtase pela beira-mar fria e agitada do litoral gaúcho.

terça-feira, 22 de maio de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 22


Capítulo 22

Quico vem e me abraça. Quico é verdadeiro. E é homem. Muito mais que muitos dos que conheço por aí. Convido ele pra ir junto comigo para casa. Ele concorda. Antes passamos na casa dele e ele pega uma muda de roupas. Chiquerésimas, me diz. Depois vamos para a minha casa. Enquanto Quico beberica o champanha que ainda restava na geladeira, caralho, quanto bebi ontem? Eu tomo banho. Depois ele toma um banho enquanto eu coloco minha roupa. Coloco um Bowie para dançar. Modern Love. Bowie é bom até quando é pop e brega. Quico sai do banheiro já vestido e com uma toalha enrolada na cabeça. I catch a paper boy / But things don't really change / I'm standing in the wind / But i never wave bye-bye. Nos juntamos, secador na mão, cena mais clichê do mundo. But I try. I tryyyyeeeee! E nos atiramos no sofá rindo sem parar. Bebemos a garrafa de champanha no bico e Quico me dá um selo na boca. Sinto o quentume subindo pela garganta e monto nele. O agarro com força e meto a língua dentro de sua boca. No começo ele responde, mas depois pára e eu me levanto puta. Porra, Marina! Tu é demais, amiga! Demais! Eu começo a rir de mim mesma e voltamos a dançar. Quero dançar. Quico não se importa. Ele também quer. Mas não comigo. Ele gosta de meninos. Eu não o condeno. Adoro homens. Já tentei não gostar. Juro que eu tentei. Mas não nasci para ser lésbica. Uma ou outra vez, mas mulher, não sei, os homens têm razão, mulher só incomoda.

Eu era bem mais nova, não que eu não seja nova hoje. Era mais nova. Andava com uns roqueiros, coisa de guria, eles tinham uma banda porto-alegrense. Dessas que nem vale a pena mencionar. Faziam sucesso nos anos 90. Eram os queridinhos do underground. E eu andava com eles. Cheguei a morar na pocilga onde eles moravam. Durou pouco tempo. E tinha uma guria que era louca por mim. Tássia era o nome da doida. Pintava os cabelos de preto e rosa e me seguia insana. Stalker mesmo. Até que uma noite depois de uma garrafa de vodca, na época eu era uma dessazinhas que me deixava levar pelo glamour da vodca pura, coisa de estudante de faculdade metida a artista que eu era, ela veio com uma conversa de que eu precisava dar um beijo nela, nem que fosse só por dar mesmo, as lésbicas são viris, mais viris que os homens, quando querem uma mulher. A tal Tássia me agarrou mesmo. Quase à força. Depois me acamei. Continuei um pouco, mas quando peguei no queria realmente encontrar me senti castrada. Eu precisava de um pau. Ela queria outra coisa. Não era justo. Ela insistiu. Eu não sou viril mas sou da pá, entendem? Da pá virada. Dei-lhe um tapa com as costas da mão daqueles que homem mau dá em mulher em filme antigo, sabem? Aqueles que aprendi com meu mano mais velho. Ela deu um rodopio pra trás e começou a chorar de raiva. Não revidou. Não falou nada. Nunca mais me olhou nos olhos. Quando eu a encontrava em festas ela dava um jeito de agarrar a primeira que aparecia e fazia questão de ficar se esfregando perto de onde eu tava. Fiquei com medo. Mulheres me dão mais medo. Prefiro os homens. São safados, mas, na maioria das vezes, burros. Os coitados.

Queéisso, Marina? Pra cima! Quico começou a dançar um Blur como, agora, uma bicha louca mesmo, enquanto procurava outra champanha na geladeira e fazendo sinal de negativo com a mão, cantava: Girls who are boys who like boys to be girls ...


sexta-feira, 18 de maio de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 21


Capítulo 21

João pega um táxi para buscar seu carro e, depois, quem sabe, passar no seu trabalho pra enganar que passou o dia numa obra. Homem cafajeste sempre arranja desculpa. Nem que seja tão furada que pareça verdadeira. Essas são as melhores. Eu e Léo vamos em outro na seqüência. Direto para o estacionamento. O funcionário, com a mesma cara de sono da manhã. Fumava o mesmo cigarro. Mas me olhou diferente quando cheguei com Léo. Abrimos o porta-malas e conferimos o estepe. Estava inteiro. Nem pensamos muito pois as nuvens de chuvas se dissipavam e tínhamos um pneu de carro para trocar. Tínhamos, não. Léo tinha. Ainda bem que usávamos o mesmo tamanho de pneu, acho que é tamanho que se diz, e Léo ficou depois de me comprar um estepe novinho. Ele tirou o paletó, nem me dei conta que ele usava um. Logo eu que odeio esses chatos de paletó. que sempre fui a rebeldosa que queria um Stone pra me levar embora. Tá, poderia ser um desses Galagher feioso também, desde que me levasse para sempre numa louca aventura romântica. Léo agora está ficando com a barba escurecida. Um cheiro de homem limpo que vai suando aos poucos. Eu floreando sobre nhaca e ele ali de mecânico trocando aquele pneu furado. Por companheirismo, aguardei. Assim que terminou nos trocamos números de celular e ele prometeu que me ligava. Pensei que ia me cumprimentar com um beijo, mas não. Se moveu para o lado, entrou no carro e depois levantou a mão esquerda e sorriu para mim, eu, estatelada do outro lado da rua acendendo um cigarro, agora sim, da marca que eu fumava quando não era ex-fumante, e levantando o braço com o cigarro aceso de volta. Terminei de fumar e voltei voando para a agência.

Cocó nem se importou de me ver chegar mais que depois dele, com outra roupa e ainda fumando o cigarro que acendi no térreo. Entrei prédio a dentro fumando. Antes passei pela faxineira, Kátia, o nome dela, e lhe devolvi as sandálias emprestadas. Agradeci e ela disse um "não tem de quê" tímido. Agora eu tinha uma bolsa de novo e uma mulher sem bolsa não é uma mulher completa. Uma mulher tem que ser muito homem para sair sem bolsa, mãos nos bolsos, fumando um Marlboro e fazendo barulho de quem tira carne dos dentes com a língua. Tá, exagerei. Cocó se levantou e veio até a minha mesa todo desejoso. Nem me deixou sentar e já me mostrou o local onde os espanhóis tinham assinado o contrato. Disse que eles estavam muito excitados e queriam uma festa mais pesada. Fiz uma cara de quem diz. Mas não é num puteiro, não é? Não era. Eles queriam dançar a valer e eu era a convidada mais que especial. Pensei se Léo estaria na festa. Mas não perguntei. Paulo passou depois mesa por mesa e cumprimentou a todos. A partir da segunda teríamos muito trabalho, mas hoje era dia comemorar. Abriu uma champanha e me obrigou a tomar um gole. Tomei uma garrafa. Tinha que dirigir até em casa, tomar um banho. Me arrumar. O estagiário, o tal Pe, pa, seiláquemé, me olha e eu puxo do bolso o dinheiro que a trouxa, quer dizer, a mulher do safado que eu nem quero mais lembrar e acabei não dando nada ontem de noite porque o incompetente nem me comeu, me deu. Ele pega e me dá um beijo na bochecha. Ele é tão fofo! Pára, Marina. Nada de mulherzice agora. Concentração. Sorrio de volta e agradeço o empréstimo e o beijo. É tão bom tratar bem uma mulher. Os homens, ou os que acham que são, tem esse costume de nos desdizer. De nos passar pra trás. Mas não queremos bananas, pelo menos eu não quero, subservientes. Queremos alguém que nos trate com carinho, atenção e que seja um pouco tarado, óbvio. Sempre me envolvi ou me apaixonei, ou os dois, pelos canalhas e algumas vez ou outra por um banana, o que deu no final era que o banana era tão ou mais canalha que o original. Pelo menos o original era o que era. O banana é o que não tem coragem. E existem aqueles homens que não são nem canalhas, nem bananas e nem a mistura dos dois. Existem os verdadeiros. Muitas vezes confundimos eles com canalhas. Ou com bananas. Mas não. São apenas situações. Tudo depende de como a situação se cria e se perde. Os verdadeiros não criam. Nem perdem. Eles simplesmente deixam estar.


quarta-feira, 16 de maio de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 20


Capítulo 20

Os porteiros existem desde a antiguidade. Não sei dizer ao certo se desde o Egito, mas certamente desde aquelas cidade-estados da Mesopotâmia, Grécia ou Israel. As cidades cercadas por enormes muralhas para se protegerem dos inimigos e um portão de entrada. No portão, guardiões. Os porteiros de então. Imagino que os porteiros sabiam muito mais que os próprios governantes. Os porteiros sabiam tanto que poderiam ser os governantes. Os porteiros viram Jesus adentrar Jerusalém se é que existiu Jesus. Jerusalém dizem que existe, mas prefiro crer que um deles sabia que Sodoma ia virar fósforo nas mãos do deus hebraico e deu no pé antes disso. Os porteiros da Grécia eram, antes de tudo, uns boca abertas, claro. imagine o tapado que deixou entrar o cavalo em Tróia? Deveria ser um tapume de burro.

Os porteiros da Idade Média também deveriam ser uns fofoqueiros de marca maior. Naqueles séculos onde todos eram vigiados ao entrar e sair por muros altos de cidades fechadas, os porteiros eram os soldadinhos com poder da vez. Entrava quem eles gostavam. Valia muito mais suas decisões que as predições do chefe local. Com o advento do mundo moderno, os porteiros foram se esparramando pelos prédios, fábricas, casas e países. Os porteiros são os guardas de fronteiras, os policiais de posto fiscal, os leões de chácara das festas. O porteiro é o sujeito com mais poder não discutido do mundo.

Em Porto Alegre existiu um porteiro que sabia tudo que acontecia no prédio em que trabalhava, claro. Só que em vez de fofoquear, ele guardava. Jamais falou algo além de bom dia, boa tarde ou boa noite fulano. Todos o respeitavam e mesmo quando estavam em situações constrangedoras ele ajudava sem reclamar, sem perguntar e sem julgar. Ele estava ali apenas para cumprir seu dever de porteiro e não se meter na vida alheia. Um dia um raio atingiu um poste ao lado do prédio e a corrente se estendeu por toda a calçada. Uma frondosa árvore, dessas que pessoas se juntam para abraçar e proteger, resolveu que era hora de desabar sobre o prédio, o que ocasionaria muitos problemas, talvez, mortos e feridos. O porteiro prontamente se retirou de sua base e se atirou em frente á arvore, tomando choques que lhe causavam dores terríveis e tentou segurar a árvore. Por mais impossível que possa parecer, a árvore parou na metade da queda e o porteiro ficou ali, frito, entre o chão e o tronco. Depois que a luz caiu e chegaram os técnicos, acreditaram ser um galho preto colado ao chão, mas não. Era o porteiro. Aquele que jamais reclamava. Os moradores ficaram muito agradecidos, a polícia arquivou o caso e ninguém mais citou o nome do porteiro. Dois meses depois o porteiro substituto relatou a existência de um fantasma. Alguém que abria e fechava as portas na frente dele e lhe contava as histórias mais escabrosas dos moradores. Pediu demissão em seguida, O prédio nunca mais encontrou outro porteiro que trabalhasse lá. Aos poucos os moradores foram se mudando e o último disse ter visto um vulto se esgueirando enquanto fechava o portão já tomado pelo ermo. Um verdadeiro porteiro jamais abandona seu posto.



quinta-feira, 10 de maio de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 19


Capítulo 19

Caminhar já não é um bom exercício pra quem só faz pilates quando se lembra, então imagina para alguém de ressaca que resolve voltar a fumar depois de um tempo sem fumar e ainda tem que encarar uma lomba debaixo de uma chuvarada. Léo começou a rir da situação e eu comecei a lhe contar do que tinha acontecido desde a manhã, ele só sabia da parte do homem trancado na minha casa. Ele ria cada vez mais alto e isso serviu muito para diminuir o impacto da subida no meu corpitcho combalido pela batalha.

No prédio o porteiro me olhou curioso, mas abriu a porta sem perguntar nada. Os porteiros sempre sabem mais da minha vida que eu mesma aposto. Eu quase não sei que horas saio ou volto pra casa. Os porteiros sabem. Eles sabem quando mudei de namorado, de caso, ou se chego bêbada e solteira ou se saí de táxi ou de carro. Eles sabem tudo. Poderiam escrever um livro se soubessem escrever. Ou quem disse que um deles não é por acaso um desses escritores nerds reclusos que aceitou o cargo de porteiro só para fofoquear a vida alheia e ter idéias para suas histórias? Vai saber. Eu prefiro nem imaginar. Nem quero imaginar o encontro com o tal João do outro lado da porta do meu apartamento. Batemos na campainha só para avisarmos que já chegamos. O porteiro foi avisado que chegaria um chaveiro dali a pouco. E o chaveiro realmente não demorou muito a chegar. Disse que como o caso era de chave perdida nada mais normal que ele abrisse com uma chave micha mesmo. Fico imaginando se esse também não se aproveita e daqui a pouco sai por aí assaltando casas de incautos, mas, imagino, ele não faria na minha. Não tem nada para roubar. Só algumas roupas e bolsas de grife que ele não saberia onde vender e daria pra qualquer putinha em troca de um boquete.

João me olha assustado. Ele me parece menos bonito, bem menos, que ontem. ainda mais perto do Léo. Procuro rapidamente minha chave reserva. Agradeço por encontrá-la logo. Abro o armário do quarto e salta uma caixa de sapato onde guardo essas coisas e a chave cai direto no meu colo. Pego a chave reserva do apartamento dentro da mesma caixa e troco de roupa. Coloco um calçadinho baixo para não correr o risco de andar por aí de salto quebrado de novo e Léo conversa com João na sala. Eles riem alto. Quando volto pergunto o porquê de tantas risadas. João ri e me explica que agora, mais calmo, não pode parar de rir só imaginando a cara da mulher. Ele tem que buscar o carro no estacionamento onde deixou ontem de noite quando veio comigo pra casa. O que? Tu me deixou dirigir naquele estado? Que estado? Pergunta ele. Doida de champanha. Ele ri alto. Não sei como dei pra um idiota desses; Nós dois estávamos muito bêbados. Mal nos beijamos e tiramos as roupas, ou tentamos tirar, e quando me dei conta estava aqui, num quarto que não conhecia, no escuro e atrasado para o meu trabalho. Nós não fizemos nada? Pergunto. Não. Ele responde. Até onde eu lembro, só uns beijos. Mais nada. Léo ri mais que ele. Eu me viro com raiva e volto para o quarto. Me olho no espelho antes de ajeitar o cabelos, prendendo, claro, porque depois de tanto desastre meteorológico, só prendendo, e começo a rir. Mais alto que ele. Eu não dei. Nem bêbada alguém me come. Eu sou uma desgraça. E voltei para a sala.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo18


Capítulo 18

Um taxista no passado, ou no presente, não se sabe ao certo, aparecia nos momentos mais inesperados, tal como o chaveiro que lhes contei a história antes, e levava as pessoas para onde realmente elas queriam ir e não aonde elas pediam para que ele as levasse.

Uma guria de uns vinte e poucos anos pediu para que ele a levasse ao hospital, quer dizer, ela não disse, mas levava a mão na barriga e pediu pra deixá-la na Doutor Flores no Centro, perto de uma clínica clandestina de aborto. O taxista, que sabia o porquê dela pedir tal destino e passara por ali justamente por isso, a levou para a casa do pai da criança. Ela olhou para o taxista, chorou e pediu para que ela o levasse para outro lugar. Ele deu de ombros. O pai da criança estava chegando em casa. Tinha sido despedido e sua mãe abria a porta da casa quando viu o táxi e a menina dentro dele e compreendeu tudo. Eles conversaram e hoje em dia um padeiro de nome Sérgio tem um ajudante que é um belo dum rapaz, a cara da menina.

Outra vez um velho pediu para ir para casa, mas o taxista, que já sabia de suas intenções, o levou para um bar da Cidade Baixa. Lá, em uma mesa repleta de velhos amigos, se comemorava o aniversário de uma senhora dos seus sessenta anos. Todos estavam sorrindo e bebericando vinho ou cerveja, quando o táxi aportou, as cadeiras perto da rua, e todos olharam o velho e se levantaram. Fazia vinte anos que ele não se encontrava com eles. Tinha brigado com um deles por causa de uma mulher. A mulher, inclusive, era a senhora de aniversário, tinha se casado com o amigo e depois se separado. E todos sabiam da história muitas vezes contadas e já por muitos esquecida. Menos pelo passageiro. Ele começou a chorar no banco de trás e não quis sair do táxi. Foi a aniversariante que se levantou da mesa, abriu a porta e o convidou para sentar-se junto a eles. Ele a abraçou e todos se levantaram para abraçá-lo. No outro dia o velho voltou para a casa, de ressaca, e jogou na lata de lixo o revólver carregado que guardava na gaveta da cabeceira da cama.

As histórias do lendário taxista caberiam em outro livro de tantas que foram, mas aqui não é o caso, portanto passo logo para o epílogo de suas aparições, dizem, que aconteceu pouco tempo atrás, quando ele pegou uma certa mulher que caminhava pelas ruas do Centro. Era tarde da noite e ela perambulava solitária pela Borges de Medeiros. Poderia ser uma prostituta. Uma isca de assaltante de taxistas, mas não. Ela entrou no táxi no momento que este parou ao seu lado e nem perguntou porque ele parou e nem disse para onde queria ir. Simplesmente o taxista acelerou Borges abaixo, fez a curva no Mercado e se dirigiu a toda velocidade pela Castelo Branco. A caminhante acendeu um cigarro fino e fedorento e abriu a boca falando palavras indizíveis que só o taxista entendia. Ele só respondeu que o mar era um lindo túmulo e nunca mais se ouvir falar de suas corridas, muito menos da mulher solitária e muito menos ainda de mares perdidos em fins de estrada.

 

quarta-feira, 2 de maio de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 17


Capítulo 17

Estava aliviada. Léo colocou uma música do Oasis, nem gosto muito de Oasis, ele disse que gostava. "Don't look back in anger" ele cantarolava dirigindo Protásio Alves abaixo quando baixou uma nuvem preta e começou a chover torrencialmente. Mais um pouco e eu acho que chovia granizo. Léo pegou uma rua lateral e senti o baque embaixo do meu pé direito. Passamos por uma poça que escondia um buraco enorme nas pedras da rua. Furou o pneu dianteiro direito. Léo saiu do carro e voltou logo, com a maior cara de desânimo do mundo. O estepe tá murcho. Pensei, mas que diabos, e logo depois imaginei que o meu deveria estar tão murcho quanto o dele. Acho que dá pra andar até um posto? Agora? No meio dessa chuvarada? Duvido. Me respondeu ele. Pegou o celular e chamou um táxi. Sentou ao meu lado e esperou. Estava ensopado. Os cabelos antes alinhados escorridos no rosto. Ele tinha uma bela franja que escondia penteando o cabelo de lado. E alguns fios que estavam nublando. Quase grisalhos. Pensei em agarrá-lo ali. Era a hora. O disco do Oasis estava terminado. Era uma coletânea dele mesmo, acho, e vinha com uma tal de Champagne Supernova que ia crescendo e me fazia lembrar da champanha de ontem e o conhaque que ainda queimava minha garganta. Passei a mão na sua nuca e fiz um carinho sem pensar. Quando ele fez menção de abrir a boca, um vulto alaranjado brilhava ao nosso lado. Era o táxi buzinando.

O taxista era um desses que começa a falar sobre o tempo e termina contando a história da vida. Só queríamos chegar na minha casa, pegar a chave reserva do meu carro e buscá-lo no estacionamento. O tal João era só um detalhe no meio dessa história toda. Mas o taxista queria era falar dos seus sete filhos e dos seus dois casamentos. Olha só, trabalhei, começa ele, trabalhei como um cão danado, criei quatro filhos, tava casado fazia vinte anos e do nada me apaixonei. Foi aqui nesse carro mesmo, peguei uma passageira, mais jovem que tu, ele me olha e ri pelo retrovisor, e quando vi a gente era amante e ela tinha engravidado. Como? Não sei. Sei que faz quinze anos tô casado com a segunda e tenho que pagar a pensão da primeira e mais os quatro filhos, quer dizer os mais velhos já se viram, um até faz a noite do meu carro. Mas não é uma vida louca essa mesmo? A Ju, minha mulher atual, sempre fala, é a maldita espumante, como ela diz. Peguei ela numa saída de casamento e ela tava sozinha, linda, arrumada, vocês tinham que ver, uma princesa, tinha sido dama de honra, imagino eu a lindeza que deveria estar a tal Ju saindo de algum casamento de pobre, mas enfim, a história é dele não é mesmo? E ela me contou depois de anos que estava bêbada e tontinha e quando me viu achou engraçado, me achou mais velho, eu ainda não tinha essa pança de hoje, então ela sentou na frente e em vez de pararmos na casa dela, paramos no motel. Nem cobrei a corrida. Até hoje ela tenta me pagar. Mas eu não cobro. Eu amo ela. É a mulher da minha vida. Dessa vida vou me aposentar, como queria da primeira vez, trinta e cinco anos de carro é muita estrada. Pegar a neguinha e morar em Tramandaí. Já separei uma poupança e tenho uma casa em vista por lá. Criar os guris soltos, ter uns cachorros e no verão dá pra ganhar uns trocos com um carro por lá. Sem pensar muito. Ela trabalha com crianças, se formou pedagoga, sabem? E pra pedagoga sempre tem trabalho, tchê. Eu já ia quase pedindo pra ele parar e eu poder fumar, parar e voltar assim do nada dá uma vontade doida de fumar ainda mais, mas daí o que aconteceu foi que o táxi simplesmente parou. Parou! Parou em plena Goethe, debaixo de chuva e nem me perguntem como. O taxista, que realmente agora via que tinha uma senhora pança foi lá atrás e abriu a tampa do combustível. Depois voltou e olhou pra nós. Podem descer. Eu chamo outro colega pra vocês. Essa merda de marcador não tá marcando nada. Pensei que dava pra trazer vocês, mas acabou a gasolina. Em trinta e cinco anos é a primeira vez que me acontece isso. Sem gasolina. Não acredito. Nem eu, gordo, nem eu.

Toca o celular e é o João perguntando se deu tudo certo com a mulher dele. Sim, filho de uma puta, deu tudo certo, mas ainda não conseguimos um chaveiro. Como estamos perto, apesar de toda a chuva que cai, encontramos uma dessas casinhas de chaveiro abertas e conversamos com o próprio. Ele nos promete que logo estará no meu apartamento e então combinamos de nos encontrar lá e vamos a pé mesmo. O taxista ainda tenta argumentar, mas desiste. Prefiro me molhar toda a escutar mais uma vez essa papagaiada toda de história da minha vida. Odeio a história da vida dos outros. Só gosto da minha e já acho ela um melodrama muito do mal contado, viu narrador?