terça-feira, 24 de abril de 2012

ARTISTAS DA FOME

O escritor, ou autor, como queiram, é na maioria das vezes um sujeitinho comum, trabalha em outras áreas para seu sustento, em nada vivendo o glamour que os leitores muitas vezes imaginam ser a vida de um escritor. Nos últimos anos tem decrescido o número de leituras de livros impressos per capita no Brasil. Muitas influências nestes dados, e tem gente em muitos blogues e jornais que já escreveu melhor sobre o assunto (procurem no Google, diria Paulo Francis se vivo fosse), o que leva a uma estratégia dúbia para chamar novos leitores para a ficção nacional. A espetacularização do autor.

Não que que o autor-artista-stand up seja alguma novidade no mundo. Muitos no passado se valeram de cachês para servirem de "micos de circo" paraa um público muito mais interessado em ver o autor que escutar o que ele tem a dizer. Na maioria das vezes o autor não tem nada a dizer. Ele já escreve pra isso. Quer entender o autor? Leia o que ele escreveu. Mário Quintana, já octagenário, era visitado a todo instante e, impassível, reprimia: As pessoas chegam aqui e param na minha frente pra me observar. Eram outros tempos. Talvez hoje em dia cobrassem ingresso para observá-lo como faziam nos circos de antigamente, como num conto de Kafka, "Um Artista da Fome".

No atual estágio da educação no Brasil é urgente ultrapassarmos as barreiras da demagogia governamental. Se o analfabetismo se esvai pelos ralos da história, a ignorância ainda impera. O brasileiro não lê. Não tem o costume de ler. A cultura televisiva atropelou todos os processos antes que o Brasil atingisse a maturidade em matéria de leitores. O que temos hoje são algumas dezenas de autores nacionais, localizados em nichos, como o infantil no caso do Gabriel, o Pensador, e outros lançados por celebridades de outras áreas que se fazem best-sellers muito mais por serem quem são do que pelo que escrevem, Jô Soares, Chico Buarque, entre outros. Não vamos ser bobos e achar que o livro de um Jô ou de um Buarque tivesse a mesma repercussão se fosse assinados pelo Pedro da Silva ou pelo  Cláudio Simplório. Até poderiam, mas não acredito.

O autor comum, eu, tu, qualquer um que queira se aventurar pelo mercado literário, é um ninguém sem passado. Veio do nada e o nada é seu destino. Eu, queira ou não, como autor me considero não um "autor de internet" mas alguém que se utilizou do meio para divulgar seus textos. Por e-mail, blogue, até mesmo Orkut, para atingir um público que, enfurnado em meu meio-ambiente, a vida boêmia incrustrada no meio rocker porto-Alegrense, não atingiria. Mas a internet tem um limite. E também é uma armadilha. Aumenta a possibilidade para os que não ultrapassam as barreiras de seus próprios grupelhos, meu caso, mas também democratiza essas possibilidades. A disputa de interesses se altera em parte, e se ajusta com o tempo, onde o antigo QI (quem indica) é alterado pela busca dos leitores por conhecer novos textos e autores. Um mercado onde o leitor procura o autor, não um mercado onde a editora indica o autor a ser lido, através de pesquisas ou por pura preguiça administrativa.

Mas o autor nesse processo se perdeu. A multiplicidade de ofertas fez com que o mercado, como sempre as vanguardas são sugadas pelo mercado, não sejamos ingênuos, recolhesse da quantidade sua colheita de "escolhidos", fazendo uma mescla de novos autores com sub-celebridades ou popstars, Gabriel, o Pensador, queiram, ou não, é um, que se adentraram na feia e bolorenta literatura. Um novo caminho foi se desenhando, os autores que perscrutavam essa nova oferta de leitores, tiveram que se aventurar em palestras, ministrar cursos, oficinas, criarem projetos em conjunto com músicos, roteitos de cinema, se atirar nas verbas de incentivo público, cada vez mais escasso e elitista, dos governos, e, no fim de tudo, ter ele, autor, também tentar ser um popstar. E o popstar tem que ser onipresente. O popstar tem que saber contar piadas, ser engraçadinho na hora certa, entrevistar em programetes de tevês locais, seduzir o público com sua lábia ou sua facilidade histriônica ou de atuação. Enfim, o autor-espetáculo.

Independente de questionar ou não (se fosse eleitor de Bento eu questionaria) prefeito Lunelli por investir 170 mil reais em livros do Gabriel para a rede pública, show e eleger o rapper, escritor e empresário de futebol, patrono da feira do livro de Bento Gonçalves, em detrimento de autores locais (imagino que em cima das premiações do autor e de sua campanha pela alfabetização infantil tenha passado o pensamento do político candidato a reeleição), pergunto: O que nos levou a chegar a este ponto? Obviamente não sei como autores conseguem descobrir o que é pago ou não pra outros. Já partcipei de algumas, poucas, mesas e debates na minha vida de autor eo que ganhei sempre foi um aperto de mãos e no máximo um custeio da viagem (duas vezes e as duas no Paraná), mas jamais imaginei descobrir o que os outros ganham. Aliás, nem me interessa.

Assim questiono a denúncia e revolta de Fabrício Carpinejar ao reclamar do cachê pago aos autores gaúchos contrariamente ao tratamento de estrela oferecido para Gabriel, o Pensador. No momento em que um autor se torna espetáculo, um homem-banda a se apresentar pelo país e pelo mundo, para pagar suas contas, que seja, mas se desviando do assunto principal, a literatura, em função de chamar a atenção para ele autor, seu estilo de vida, seus modos estudamente afetados e seu carisma pessoal como entrevistador-apresentador, não estaria o autor também alimentando o monstro que supostamente agora se revolta? Não seria, Carpinejar, de repensar o papel do autor-espetáculo no atual contexto literário nacional? Até onde ele auxilia na criação de um mercado leitor de ficção fragmentado e segmentado? Até onde o autor-espetáculo não se suicida ao incentivar os governos e patrocinadores a investirem no espetáculo do autor? Até quando para nos transformarmos em "artistas da fome"?

Se continuar assim não escreveremos mais livros. Faremos shows em teatros e nossos livros serão dados como brinde. O público, embevecido, nos amará (tem um público que o ama mesmo sem nem ler o que tu escreve, Carpinejar), mas até onde entra a literatura nessa porra toda?  É isso que devemos questionar, não somente os cachês pagos. Ou questionamos onde queremos chegar com a espetacularização da literatura ou então eu vou achar que tudo não passou de mais uma chama perdida na velha fogueira das vaidades que tanto mal já fez e ainda fará na literatura nacional. Resumindo, um chilique.

Guy Debord comemorando com amigos a vitória da "sociedade do espetáculo"

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