segunda-feira, 30 de julho de 2012

MULHERES DE BOTAS!

Mulheres de botas pisam fundo
Mulheres de botas caminham longe e não perdoam
Mulheres de botas bebem nas botas e, dizem, vomitam nas botas
Mulheres de botas nunca andam sós, os pés caminham junto delas
para onde as botas as quiserem levar

Botas vermelhas, de canos longos, de salto baixo
Botas de chuva, de couro, de borracha, botas amarelas
Botas coloridas, de caveiras, botas velhas e empoeiradas
Botas salto alto, cano curto, bota de assassina
com meu coração na mira

Mulheres de botas comem idiotas no almoço
Mulheres de botas não jantam, ceiam covardes com prazer
Mulheres de botas suas maníacas de taras alheias
Os desejos de pés de mulher escondidos sob botas
que só mulheres de botas sabem usar

Botas pretas, de camurça, botas sem sola de camisola
Botas de filme de terror, policiais de botas chutando
abobados que amam mulheres de botas
Botas safadas que saem pela estradas escarniçando
e pisando panacas como nós

Mulheres de botam pisem em todos nós
Seremos esmagados com prazer
Mulheres de botas não perdoam, fumam a alma
dos infelizes que cruzam por suas ruas
Mulheres de botas para nós sempre estarão nuas


NÃO SOU FILHO DE ALEMÃES

Acabei de cochilar no sofá enquanto o Lorenzo assistia TV.
Tomei um copo de Grapette e comi 3 bolachas água e sal.
Estou com frio mas, tipo, foda-se.
Tenho um fone ouvido que funciona um lado só.
A gata corta os fios dos fones. Maldita.
Isso aqui poderia ser a porra de um poema
se eu me chamasse Charles e fosse filho de alemães.
Não é. Não sou nem filho da puta.
Se você poderia estar rico.
Se estivesse rico talvez tivesse uma coleção de fones de ouvido,
muitos deles indestrutíveis por gatos.
Poderia ter muitos gatos, talvez muitos filhos.
Estaria bêbado,
pois os ricos que não vivem bêbados não merecem viver.
Eu teria um time de rugby que se chamaria Red,
assim em inglês, como bom burguês,
e treinaria nos dias ímpares pois não gosto dos pares.
Meu bar ficaria no porão
(adendo: eu teria um porão, o maior da cidade)
e convidaria pessoas do meu naipe
(baixo, indigesto, porém sincero)
e vez ou outra escolheríamos algum cretino para bater.
Assim, por nada, como convém bater em cretinos.
Mas o Grapette acabou e a bolacha se acumula nos cantos
dos sisos que nasceu depois dos 30.
É, pelo jeito terei que escutar música num ouvido só.
Muitas vezes é preferível ser mono a estéreo.
Pelo menos sei que não estou escutando vozes.
Ou estou?
Foda-se, Lorenzo não vai dormir tão cedo mesmo.
Melhor esquentar o café da tarde.
É difícil não ser Charles.
Nem filho de alemães.

(a imagem é roubada, aliás, como tudo que escrevo é)


quinta-feira, 5 de julho de 2012

ASSIM NASCEU O UNIVERSO

Bóson nasceu na pequena Cork. Sua família morreu na grande fome de meados do século XIX. Como todo desgraçado irlandês, fugiu, órfã e solitária, da morte quase certa. Os irlandeses mais ricos fugiram pra América. Os menos, pra Inglaterra. Os mais pobres, incluindo Bóson, se refugiaram na Escócia. Na Irlanda ficaram apenas aqueles que estavam tão bêbados que não se deram conta que estavam com fome.

Tímida, a imberbe Bóson, acostumada às lides do campo e domésticas, conseguiu o emprego em uma mal-afamada taverna de Edinburgo chamada Clube da Caverna, em inglês "Cavern Club". Os freqüentadores não passavam de universitários atrás de presas fáceis, nobres escroques e alcoolizados à procura de rituais pagãos e mundanismo.

Bóson, como toda boa estirpe irlandesa, católica e fervorosa, abominava tudo isso, mas o estômago falava mais alto. Rezava para todos os santos e pedia proteção para sua virgindade. Até que um dia um escocês que, apesar de ruivo e barbudo, era bonito e encorpado, lhe dirigiu olhares indecorosos. Bóson, então com 19 anos, não sabia o que lhe subia pelas entranhas, mas quando fechava os olhos à noite se deparava suando e, tremendo, se despia e esperava passar o calor. 

Até que certa noite, ao lhe servir uma caneca de cerveja forte acompanhada de uísque o ruivo garboso lhe dirigiu a palavra. Seu nome era Higgs e lhe perguntou seu nome, de onde era. Higgs era muito sutil com as palavras e sabia que ali estava uma fruta que tinha caído longe do pé. Uma bela irlandesa de olhos verdes. No outro dia apareceu mais cedo e, pedindo permissão para o dono do restaurante, convidou Bóson para dar uma caminhada pelas ruas de Edinburgo.

Numa viela, arrebatada por elogios e poesias roubadas dos clássicos que Higgs estudava na universidade, Bóson se entregou às carícias de seu companheiro. Despida sob a noite fria da Escócia, Higgs lhe apresentou seu instrumento de penetração e a possuiu ali mesmo, sob as estrelas brilhantes do hemisfério norte. Bóson sentiu tremores pernas abaixo e, quase que rezando, gemeu. Era setembro. Uma voz ao fundo cantarolava "A Day in The Life". 

Foi neste dia que nasceu o Universo.