Capítulo 19
Caminhar já não é um bom exercício
pra quem só faz pilates quando se lembra, então imagina para alguém
de ressaca que resolve voltar a fumar depois de um tempo sem fumar e
ainda tem que encarar uma lomba debaixo de uma chuvarada. Léo
começou a rir da situação e eu comecei a lhe contar do que tinha
acontecido desde a manhã, ele só sabia da parte do homem trancado
na minha casa. Ele ria cada vez mais alto e isso serviu muito para
diminuir o impacto da subida no meu corpitcho combalido pela batalha.
No prédio o porteiro me olhou
curioso, mas abriu a porta sem perguntar nada. Os porteiros sempre
sabem mais da minha vida que eu mesma aposto. Eu quase não sei que
horas saio ou volto pra casa. Os porteiros sabem. Eles sabem quando
mudei de namorado, de caso, ou se chego bêbada e solteira ou se saí
de táxi ou de carro. Eles sabem tudo. Poderiam escrever um livro se
soubessem escrever. Ou quem disse que um deles não é por acaso um
desses escritores nerds reclusos que aceitou o cargo de porteiro só
para fofoquear a vida alheia e ter idéias para suas histórias? Vai
saber. Eu prefiro nem imaginar. Nem quero imaginar o encontro com o
tal João do outro lado da porta do meu apartamento. Batemos na
campainha só para avisarmos que já chegamos. O porteiro foi avisado
que chegaria um chaveiro dali a pouco. E o chaveiro realmente não
demorou muito a chegar. Disse que como o caso era de chave perdida
nada mais normal que ele abrisse com uma chave micha mesmo. Fico
imaginando se esse também não se aproveita e daqui a pouco sai por
aí assaltando casas de incautos, mas, imagino, ele não faria na
minha. Não tem nada para roubar. Só algumas roupas e bolsas de
grife que ele não saberia onde vender e daria pra qualquer putinha
em troca de um boquete.
João me olha assustado. Ele me
parece menos bonito, bem menos, que ontem. ainda mais perto do Léo.
Procuro rapidamente minha chave reserva. Agradeço por encontrá-la
logo. Abro o armário do quarto e salta uma caixa de sapato onde
guardo essas coisas e a chave cai direto no meu colo. Pego a chave
reserva do apartamento dentro da mesma caixa e troco de roupa. Coloco
um calçadinho baixo para não correr o risco de andar por aí de
salto quebrado de novo e Léo conversa com João na sala. Eles riem
alto. Quando volto pergunto o porquê de tantas risadas. João ri e
me explica que agora, mais calmo, não pode parar de rir só
imaginando a cara da mulher. Ele tem que buscar o carro no
estacionamento onde deixou ontem de noite quando veio comigo pra
casa. O que? Tu me deixou dirigir naquele estado? Que estado?
Pergunta ele. Doida de champanha. Ele ri alto. Não sei como dei pra
um idiota desses; Nós dois estávamos muito bêbados. Mal nos
beijamos e tiramos as roupas, ou tentamos tirar, e quando me dei
conta estava aqui, num quarto que não conhecia, no escuro e atrasado
para o meu trabalho. Nós não fizemos nada? Pergunto. Não. Ele
responde. Até onde eu lembro, só uns beijos. Mais nada. Léo ri
mais que ele. Eu me viro com raiva e volto para o quarto. Me olho no
espelho antes de ajeitar o cabelos, prendendo, claro, porque depois
de tanto desastre meteorológico, só prendendo, e começo a rir.
Mais alto que ele. Eu não dei. Nem bêbada alguém me come. Eu sou
uma desgraça. E voltei para a sala.
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