Capítulo 22
Quico vem e me abraça. Quico é
verdadeiro. E é homem. Muito mais que muitos dos que conheço por
aí. Convido ele pra ir junto comigo para casa. Ele concorda. Antes
passamos na casa dele e ele pega uma muda de roupas. Chiquerésimas,
me diz. Depois vamos para a minha casa. Enquanto Quico beberica o
champanha que ainda restava na geladeira, caralho, quanto bebi ontem?
Eu tomo banho. Depois ele toma um banho enquanto eu coloco minha
roupa. Coloco um Bowie para dançar. Modern Love.
Bowie é bom até quando é pop e brega. Quico sai do banheiro já
vestido e com uma toalha enrolada na cabeça. I catch
a paper boy /
But things don't really
change / I'm standing
in the wind /
But i never wave
bye-bye. Nos
juntamos, secador na mão, cena mais clichê do mundo. But
I try. I tryyyyeeeee!
E nos atiramos no sofá rindo sem parar. Bebemos a garrafa de
champanha no bico e Quico me dá um selo na boca. Sinto o quentume
subindo pela garganta e monto nele. O agarro com força e meto a
língua dentro de sua boca. No começo ele responde, mas depois pára
e eu me levanto puta. Porra, Marina! Tu é demais, amiga! Demais! Eu
começo a rir de mim mesma e voltamos a dançar. Quero dançar. Quico
não se importa. Ele também quer. Mas não comigo. Ele gosta de
meninos. Eu não o condeno. Adoro homens. Já tentei não gostar.
Juro que eu tentei. Mas não nasci para ser lésbica. Uma ou outra
vez, mas mulher, não sei, os homens têm razão, mulher só
incomoda.
Eu era bem mais nova, não que eu não
seja nova hoje. Era mais nova. Andava com uns roqueiros, coisa de
guria, eles tinham uma banda porto-alegrense. Dessas que nem vale a
pena mencionar. Faziam sucesso nos anos 90. Eram os queridinhos do
underground. E eu andava com eles. Cheguei a morar na pocilga onde
eles moravam. Durou pouco tempo. E tinha uma guria que era louca por
mim. Tássia era o nome da doida. Pintava os cabelos de preto e rosa
e me seguia insana. Stalker mesmo. Até que uma noite depois de uma
garrafa de vodca, na época eu era uma dessazinhas que me deixava
levar pelo glamour da vodca pura, coisa de estudante de faculdade
metida a artista que eu era, ela veio com uma conversa de que eu
precisava dar um beijo nela, nem que fosse só por dar mesmo, as
lésbicas são viris, mais viris que os homens, quando querem uma
mulher. A tal Tássia me agarrou mesmo. Quase à força. Depois me
acamei. Continuei um pouco, mas quando peguei no queria realmente
encontrar me senti castrada. Eu precisava de um pau. Ela queria outra
coisa. Não era justo. Ela insistiu. Eu não sou viril mas sou da pá,
entendem? Da pá virada. Dei-lhe um tapa com as costas da mão
daqueles que homem mau dá em mulher em filme antigo, sabem? Aqueles
que aprendi com meu mano mais velho. Ela deu um rodopio pra trás e
começou a chorar de raiva. Não revidou. Não falou nada. Nunca mais
me olhou nos olhos. Quando eu a encontrava em festas ela dava um
jeito de agarrar a primeira que aparecia e fazia questão de ficar se
esfregando perto de onde eu tava. Fiquei com medo. Mulheres me dão
mais medo. Prefiro os homens. São safados, mas, na maioria das
vezes, burros. Os coitados.
Queéisso, Marina? Pra cima! Quico
começou a dançar um Blur como, agora, uma bicha louca mesmo,
enquanto procurava outra champanha na geladeira e fazendo sinal de
negativo com a mão, cantava: Girls who are
boys who like boys
to be girls ...
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