Capítulo 23
Quico estava com fome, afinal, era
muita champanha para pouca proteína. Baixamos de táxi porque eu não
queria dar chance pro azar de novo, vai que fura um pneu e eu, na
rua, sem estepe, por aí, largada, com um amigo gay pra ajudar a
pedir ajuda? Não. Tô fora. Quico queria comida chinesa, mas eu
disse não. Eu queria algo mais massudo. Me deu a louca e pedi pra
descer num bauru. Em Porto Alegre é assim, lugar onde tem bauru a
gente chama de bauru. E bauru é um pão cervejinha, um pão que
parece uma bunda com um rego fundo, enoooorme, com um bife enooorme
dentro e cebola e queijo e, se quiser ovo. É um absurdo. Quico me
olhou com um olhar de quem diz goooorda, mas desistiu de falar. Ficou
na porção de fritas, nervoso mergulhava as batatas no fundo do pote
de maionese, que veio junto com o meu bauru e eu devorei como uma
cavala, cansada que tava de ver tanta gente, os espanhóis, comendo
carne e eu só na salada e na enganação. Fodam-se os pneus que
podem inflar. Amanhã eu furo eles caminhando no Parcão. Dou um
jeito. Durmo um dia todo. Não como nada na semana que vem. Vivo de
água e bolacha integral. Dane-se! Esse é o melhor lanche janta que
fiz nos últimos anos. Dane-se o bafo de cebola. O cheiro de carne.
Léo, me espera. Caminhamos um pouco e paramos num posto de gasolina.
Compramos garrafinha de champanha e vamos bebendo pela rua como se
fossem long necks.
Estava tão bom caminhar pela rua e
pela noite que tinha ficado tão fresca e iluminada que não dava
vontade de pegar outro táxi, outro stress, outro sujeito contando,
falando, enchendo, saindo e entrando em curvas, que decidimos fazer o
resto do caminho até a festa a pé. Não era muito longe. Só umas
três ou quatro quadras. Como se fosse verão e eu voltasse a ser
adolescente em Capão da Canoa, Atlântida, quer dizer. As noites na
praia, alguns quilômetros pela noite, bebendo capeta e falando
bobagens com os guris da rua. Tudo era festa no verão e nós éramos
garotas estúpidas de classe média somente querendo beber longe dos
pais e fazer fiasco. Quico completou. Era mesmo bom no verão, não
é? Não sei como ele chegou no comentário que eu esperava, afinal,
eu só estava pensando e não contando, como conto para vocês, mas
Quico sentia o mesmo que eu, só que com um ar de nostalgia
reprimida. As suas lembranças eram truncadas pelo preconceito. Me
deu a mão e começou a pular e rir. Tu pegou dinheiro, doida? Não.
Quem pagou a conta no bauru? No posto sei que tu pagou no cartão,
mas quem pagou meu lanche? Quico riu mais alto. Ninguém. Soltou
minha mão e saiu cantando na frente: De jeito
maneira, não quero
dinheiro, quero amor
sincero! E ria como uma criança em pleno verão. Um
adolescente bêbado em êxtase pela beira-mar fria e agitada do
litoral gaúcho.
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