Capítulo 20
Os porteiros existem desde a
antiguidade. Não sei dizer ao certo se desde o Egito, mas certamente
desde aquelas cidade-estados da Mesopotâmia, Grécia ou Israel. As
cidades cercadas por enormes muralhas para se protegerem dos inimigos
e um portão de entrada. No portão, guardiões. Os porteiros de
então. Imagino que os porteiros sabiam muito mais que os próprios
governantes. Os porteiros sabiam tanto que poderiam ser os
governantes. Os porteiros viram Jesus adentrar Jerusalém se é que
existiu Jesus. Jerusalém dizem que existe, mas prefiro crer que um
deles sabia que Sodoma ia virar fósforo nas mãos do deus hebraico e
deu no pé antes disso. Os porteiros da Grécia eram, antes de tudo,
uns boca abertas, claro. imagine o tapado que deixou entrar o cavalo
em Tróia? Deveria ser um tapume de burro.
Os porteiros da Idade Média também
deveriam ser uns fofoqueiros de marca maior. Naqueles séculos onde
todos eram vigiados ao entrar e sair por muros altos de cidades
fechadas, os porteiros eram os soldadinhos com poder da vez. Entrava
quem eles gostavam. Valia muito mais suas decisões que as predições
do chefe local. Com o advento do mundo moderno, os porteiros foram se
esparramando pelos prédios, fábricas, casas e países. Os porteiros
são os guardas de fronteiras, os policiais de posto fiscal, os leões
de chácara das festas. O porteiro é o sujeito com mais poder não
discutido do mundo.
Em Porto Alegre existiu um porteiro
que sabia tudo que acontecia no prédio em que trabalhava, claro. Só
que em vez de fofoquear, ele guardava. Jamais falou algo além de bom
dia, boa tarde ou boa noite fulano. Todos o respeitavam e mesmo
quando estavam em situações constrangedoras ele ajudava sem
reclamar, sem perguntar e sem julgar. Ele estava ali apenas para
cumprir seu dever de porteiro e não se meter na vida alheia. Um dia
um raio atingiu um poste ao lado do prédio e a corrente se estendeu
por toda a calçada. Uma frondosa árvore, dessas que pessoas se
juntam para abraçar e proteger, resolveu que era hora de desabar
sobre o prédio, o que ocasionaria muitos problemas, talvez, mortos e
feridos. O porteiro prontamente se retirou de sua base e se atirou em
frente á arvore, tomando choques que lhe causavam dores terríveis e
tentou segurar a árvore. Por mais impossível que possa parecer, a
árvore parou na metade da queda e o porteiro ficou ali, frito, entre
o chão e o tronco. Depois que a luz caiu e chegaram os técnicos,
acreditaram ser um galho preto colado ao chão, mas não. Era o
porteiro. Aquele que jamais reclamava. Os moradores ficaram muito
agradecidos, a polícia arquivou o caso e ninguém mais citou o nome
do porteiro. Dois meses depois o porteiro substituto relatou a
existência de um fantasma. Alguém que abria e fechava as portas na
frente dele e lhe contava as histórias mais escabrosas dos
moradores. Pediu demissão em seguida, O prédio nunca mais encontrou
outro porteiro que trabalhasse lá. Aos poucos os moradores foram se
mudando e o último disse ter visto um vulto se esgueirando enquanto
fechava o portão já tomado pelo ermo. Um verdadeiro porteiro jamais
abandona seu posto.
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