quarta-feira, 16 de maio de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 20


Capítulo 20

Os porteiros existem desde a antiguidade. Não sei dizer ao certo se desde o Egito, mas certamente desde aquelas cidade-estados da Mesopotâmia, Grécia ou Israel. As cidades cercadas por enormes muralhas para se protegerem dos inimigos e um portão de entrada. No portão, guardiões. Os porteiros de então. Imagino que os porteiros sabiam muito mais que os próprios governantes. Os porteiros sabiam tanto que poderiam ser os governantes. Os porteiros viram Jesus adentrar Jerusalém se é que existiu Jesus. Jerusalém dizem que existe, mas prefiro crer que um deles sabia que Sodoma ia virar fósforo nas mãos do deus hebraico e deu no pé antes disso. Os porteiros da Grécia eram, antes de tudo, uns boca abertas, claro. imagine o tapado que deixou entrar o cavalo em Tróia? Deveria ser um tapume de burro.

Os porteiros da Idade Média também deveriam ser uns fofoqueiros de marca maior. Naqueles séculos onde todos eram vigiados ao entrar e sair por muros altos de cidades fechadas, os porteiros eram os soldadinhos com poder da vez. Entrava quem eles gostavam. Valia muito mais suas decisões que as predições do chefe local. Com o advento do mundo moderno, os porteiros foram se esparramando pelos prédios, fábricas, casas e países. Os porteiros são os guardas de fronteiras, os policiais de posto fiscal, os leões de chácara das festas. O porteiro é o sujeito com mais poder não discutido do mundo.

Em Porto Alegre existiu um porteiro que sabia tudo que acontecia no prédio em que trabalhava, claro. Só que em vez de fofoquear, ele guardava. Jamais falou algo além de bom dia, boa tarde ou boa noite fulano. Todos o respeitavam e mesmo quando estavam em situações constrangedoras ele ajudava sem reclamar, sem perguntar e sem julgar. Ele estava ali apenas para cumprir seu dever de porteiro e não se meter na vida alheia. Um dia um raio atingiu um poste ao lado do prédio e a corrente se estendeu por toda a calçada. Uma frondosa árvore, dessas que pessoas se juntam para abraçar e proteger, resolveu que era hora de desabar sobre o prédio, o que ocasionaria muitos problemas, talvez, mortos e feridos. O porteiro prontamente se retirou de sua base e se atirou em frente á arvore, tomando choques que lhe causavam dores terríveis e tentou segurar a árvore. Por mais impossível que possa parecer, a árvore parou na metade da queda e o porteiro ficou ali, frito, entre o chão e o tronco. Depois que a luz caiu e chegaram os técnicos, acreditaram ser um galho preto colado ao chão, mas não. Era o porteiro. Aquele que jamais reclamava. Os moradores ficaram muito agradecidos, a polícia arquivou o caso e ninguém mais citou o nome do porteiro. Dois meses depois o porteiro substituto relatou a existência de um fantasma. Alguém que abria e fechava as portas na frente dele e lhe contava as histórias mais escabrosas dos moradores. Pediu demissão em seguida, O prédio nunca mais encontrou outro porteiro que trabalhasse lá. Aos poucos os moradores foram se mudando e o último disse ter visto um vulto se esgueirando enquanto fechava o portão já tomado pelo ermo. Um verdadeiro porteiro jamais abandona seu posto.



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