Capítulo 21
João pega um táxi para buscar seu
carro e, depois, quem sabe, passar no seu trabalho pra enganar que
passou o dia numa obra. Homem cafajeste sempre arranja desculpa. Nem
que seja tão furada que pareça verdadeira. Essas são as melhores.
Eu e Léo vamos em outro na seqüência. Direto para o
estacionamento. O funcionário, com a mesma cara de sono da manhã.
Fumava o mesmo cigarro. Mas me olhou diferente quando cheguei com
Léo. Abrimos o porta-malas e conferimos o estepe. Estava inteiro.
Nem pensamos muito pois as nuvens de chuvas se dissipavam e tínhamos
um pneu de carro para trocar. Tínhamos, não. Léo tinha. Ainda bem
que usávamos o mesmo tamanho de pneu, acho que é tamanho que se
diz, e Léo ficou depois de me comprar um estepe novinho. Ele tirou o
paletó, nem me dei conta que ele usava um. Logo eu que odeio esses
chatos de paletó. que sempre fui a rebeldosa que queria um Stone pra
me levar embora. Tá, poderia ser um desses Galagher feioso também,
desde que me levasse para sempre numa louca aventura romântica. Léo
agora está ficando com a barba escurecida. Um cheiro de homem limpo
que vai suando aos poucos. Eu floreando sobre nhaca e ele ali de
mecânico trocando aquele pneu furado. Por companheirismo, aguardei.
Assim que terminou nos trocamos números de celular e ele prometeu
que me ligava. Pensei que ia me cumprimentar com um beijo, mas não.
Se moveu para o lado, entrou no carro e depois levantou a mão
esquerda e sorriu para mim, eu, estatelada do outro lado da rua
acendendo um cigarro, agora sim, da marca que eu fumava quando não
era ex-fumante, e levantando o braço com o cigarro aceso de volta.
Terminei de fumar e voltei voando para a agência.
Cocó nem se importou de me ver
chegar mais que depois dele, com outra roupa e ainda fumando o
cigarro que acendi no térreo. Entrei prédio a dentro fumando. Antes
passei pela faxineira, Kátia, o nome dela, e lhe devolvi as
sandálias emprestadas. Agradeci e ela disse um "não tem de
quê" tímido. Agora eu tinha uma bolsa de novo e uma mulher sem
bolsa não é uma mulher completa. Uma mulher tem que ser muito homem
para sair sem bolsa, mãos nos bolsos, fumando um Marlboro e fazendo
barulho de quem tira carne dos dentes com a língua. Tá, exagerei.
Cocó se levantou e veio até a minha mesa todo desejoso. Nem me
deixou sentar e já me mostrou o local onde os espanhóis tinham
assinado o contrato. Disse que eles estavam muito excitados e queriam
uma festa mais pesada. Fiz uma cara de quem diz. Mas não é num
puteiro, não é? Não era. Eles queriam dançar a valer e eu era a
convidada mais que especial. Pensei se Léo estaria na festa. Mas não
perguntei. Paulo passou depois mesa por mesa e cumprimentou a todos.
A partir da segunda teríamos muito trabalho, mas hoje era dia
comemorar. Abriu uma champanha e me obrigou a tomar um gole. Tomei
uma garrafa. Tinha que dirigir até em casa, tomar um banho. Me
arrumar. O estagiário, o tal Pe, pa, seiláquemé, me olha e eu puxo
do bolso o dinheiro que a trouxa, quer dizer, a mulher do safado que
eu nem quero mais lembrar e acabei não dando nada ontem de noite
porque o incompetente nem me comeu, me deu. Ele pega e me dá um
beijo na bochecha. Ele é tão fofo! Pára, Marina. Nada de
mulherzice agora. Concentração. Sorrio de volta e agradeço o
empréstimo e o beijo. É tão bom tratar bem uma mulher. Os homens,
ou os que acham que são, tem esse costume de nos desdizer. De nos
passar pra trás. Mas não queremos bananas, pelo menos eu não
quero, subservientes. Queremos alguém que nos trate com carinho,
atenção e que seja um pouco tarado, óbvio. Sempre me envolvi ou me
apaixonei, ou os dois, pelos canalhas e algumas vez ou outra por um
banana, o que deu no final era que o banana era tão ou mais canalha
que o original. Pelo menos o original era o que era. O banana é o
que não tem coragem. E existem aqueles homens que não são nem
canalhas, nem bananas e nem a mistura dos dois. Existem os
verdadeiros. Muitas vezes confundimos eles com canalhas. Ou com
bananas. Mas não. São apenas situações. Tudo depende de como a
situação se cria e se perde. Os verdadeiros não criam. Nem perdem.
Eles simplesmente deixam estar.
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