terça-feira, 27 de março de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 8

Capítulo 8

Sim, o apartamento é meu e meu marido está preso lá dentro. Não, não posso ir lá agora. Se eu pudesse não ia perder meu tempo ligando, não é? Caralho, será o que que tem tanta gente lenta no mundo? Depois eu que sou doida varrida. Que bebo. Que dou pro primeiro que aparece depois de algumas champanhas. Sim. É uma rua depois da Eudoro. Eudoro, animal, aquela que corta o caminho pra quem não quer ficar preso no trânsito da Goethe. Goethe. O jovem Werther não deveria pegar a Goethe se morasse em Porto Alegre. Ia ficar se lamentando e mandando emails pra Carlota e se matar depois que a rede wi-fi falhasse em meio a uma mensagem importantíssima. Não que eu nunca tenha me apaixonado assim. Me apaixonei. Mas eu tinha 14 anos e ele era um baixista de uma banda de colégio.

O problema é que ele, o baixista de banda de colégio, cantava numa cover que eu achava linda mas hoje odeio, a cover e a original de Hey Jude e ele era o Paul cantando pra mim. Ele me levou pro show que teve no parque, show de graça, coisa de banda de colégio mesmo, e depois me beijou e me deu uns amassos perto de umas árvores. Depois disso nunca mais deu as caras. Descobri, muitas semanas depois, que o pai dele trabalhava de funcionário público e tinha se transferido pra Goiás. Imagina meu desespero, minha primeira paixão, meu Paul, indo pra Goiás tocar música sertaneja? Mentira, ele desistiu da próspera, mentira, carreira de músico e pelo que sei é despachante no Mato Grosso, barrigudo e tem a pele cheia de feridas, porque todo mundo que a gente se apaixona e nos abandona tem a pele cheia de ferida e fede que nem cachorro de rua, isso sim.

Eu nem tentei me matar na verdade. Pensei em me cortar com a faca mas achei que ia ter muito sangue e odeio sujeirada de sangue. Depois pensei em me enforcar mas dizem que enforcado se caga todo quando morre e eu não queria morrer cagada. Se jogar na frente do T2 lotado? Não. Vai que não dá certo e eu ficava entrevada o resto da vida. Se jogar do prédio poderia ser mais fácil. Só que eu ficaria toda espatifada no meio da rua e não queria um povo me vendo. Tem gente que se joga na frente do trem, mas é muito suburbano e de suburbana chega minha infância no Navegantes. Depois de um tempo matutando e uma carteira que eu fumei escondida, ou dez maços como naquela música, e enfiei na cabeça que ele tinha morrido, o baixista que nem lembro mais o nome. Afinal, pra uma garota de catorze anos de Porto Alegre ver a paixonite viajar pra Goiás é o mesmo que morrer não acham?

Neste parágrafo o advogado do narrador entra em cena com uma medida preventiva para garantir que as palavras pejorativas quanto ao estado de Goiás foram proferidas pela personagem que, não sabemos se fictícia ou não, deve arcar com os custos de seu preconceito adolescente, sendo assim, inexpugnável.


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