terça-feira, 20 de março de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 6

Capítulo 6

Marina chega à empresa, iluminada, a luz voltou, a internet funcionando, a civilização tomando sua roda de volta, pés no chão, pretos de sujo, e se dirige à mesa. Antes de pensar em qualquer coisa, abre uma gaveta e retira um pacote de lenços umedecidos e limpa os pés. Do jeito que é sujo esse carpete nem sei se vale a pena. Odeio carpete. Coisa de pobre, o Cocó deve ter algum passado obscuro de classe média recalcada. Tira esse carpete pelamordedeus. Marina mexe o mouse e sai à cata de um chaveiro na internet. Enquanto isso telefona para casa. Quer dizer, para o telefone de João, o desconhecido. Telefone ela não tem casa. Mas ele não atende. Como assim, não atende? Em casa, trancadão. Faz o que? Toma banho? Se masturba? Se exibe nu na janela? Olha meus álbuns de férias, aqueles que tirei com ex e um ou outro casinho de verão? Será? Será um desses psicopatas?

Uma vez tive um namorado psicótico. Ou psicopata. Ou sociopata. Não sei. Sei que depois de duas vezes que saímos e uma trepada ele me ligava no dia seguinte. Não que eu reclame de homens que liguem no outro dia. Na verdade é tão estranho que desconfio. Quando a gente liga no outro dia é porque certamente fizemos merda. Homem é tão bocó. Mulher faz merda e liga antes! Liga antes pra dizer que tá tudo bem, ou tudo mal, mas tem que trabalhar até tarde, aquele chefe que nos suga, aquela dor de cabeça que não se vai, aqueles dias, TPM, o inferno. Homem, não. Homem vai fazendo a bobagem e postergando. Embroma. Deixa que a pergunta venha antes da resposta. Nós mulheres damos a resposta sem que exista a pergunta. É tão fácil. Eles são tão sugestionáveis. Mas aquele serial killer em potencial, não. Ele ligava no dia seguinte.

Aliás, ele ligava no dia anterior também. Ele ligava para saber como eu estava. Para dizer onde ele tinha ido. Como gostava de mim. Dar detalhes de nosso próximo encontro. Ou não. Fazer surpresas. No começo eu amei. Quem não amaria? Ele era carinhoso, era bom de cama, nem grande, nem pequeno, mas na largura certa. Nem muito alto para ser mangolão e nem muito baixo para ser anão. Nem desgrenhado, nem barbudo e nem babyface. Era o comum básico de toda mulher de trinta e poucos anos. Sem essa de Balzac que nunca fui de ler essas coisas. Claro que li minhas Júlias quando era adolescente, mas prefiro as malvadonas. Prefiro as mulheres de faca na bota como dizem por aqui. E eu adoro botas.

Pois o tal Fábio era assim. Um querido. No começo. O tempo foi passando e os telefonemas foram sendo cada vez mais freqüentes. Eu respirava, ele ligava. Depois veio o MSN, na época era ICQ, eu acho. Os emails. As mensagens de celular. Onde está? O que vamos fazer hoje? Eu te amo. Te adoro. Tu é a mulher da minha vida. Não existe nada pior que homem que bajula demais. Tem mulher que gosta. Mas tem mulher que gosta de homem e de cachorro. E que o homem seja tipo um cachorro. Um pau mandado. Eu não. Eu gosto do pau, mas mandado demais dá muito trabalho. E Fábio implorava para ser meu cachorro. Tomava meu tempo. Queria que eu levasse ele pra passear. Pra fazer xixi nas árvores. Limpar a bunda. Levar no veterinário. Dar banho. Quando eu já estava infestada de pulgas, larguei. Não atendi mais celular, não respondi mais mensagens. Tive que mudar meu número de telefone, meu email de trabalho, quase tive que mudar de emprego. Até que um dia ele veio no meu trabalho e fez cena. Tivemos que chamar a Brigada Militar. O juizado mandou que ele ficasse mais de meio quilômetro de distâncias dos locais que eu freqüento. Ele cumpriu uma pena alternativa cuidando de velhos de asilos. Se apegou aos velhos. Fez um curso de auxiliar de enfermagem e até onde eu saiba trabalha ainda lá no asilo. Quando um morre, ele se desespera. Dói. Daí que começou a freqüentar centros espíritas. Para não perder contato com seus velhos. Mas isso é outra história. Pelo menos Marina está livre dele.

Mas não está livre do João peludo em sua casa. Ele não atende o celular. Ela tenta mais uma vez e fica com medo que ele não tenha nada para carregar o aparelho, nem sabe se é o mesmo que ela usa e se ele vai achar o cabo de recarregar pois ela sempre esquece dentro de uma bolsa e se estava na que ela estava usando hoje antes de ser assaltada, já era. Então desiste. Melhor esperar. Melhor que ele se ligue e me ligue. Idiota.

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