quinta-feira, 15 de março de 2012

MALDITA CHAMPANHA - Capítulo 5

Capítulo 5

Dizem que o nome Moinhos de Vento vem de moinhos de vento que existiam lá por aquelas alturas. Moinhos de uma época que eram usados para, claro, moer. Moer grãos que vinham das insípidas fazendas da província ou importadas de outros lugares. Depois o bairro foi dominado por grandes casas e prédios de portas largas e pé direito alto. Hoje em dia é um bairro que seus freqüentadores julgam ser uma Recoleta porto-alegrense, embasbacados que são seus habitantes com a nem tão próxima Buenos Aires.

Em um destas antigas casas, dizem, mal assombrada, vivia uma velha doceira que costumava fazer doces pra fora como se fazia antigamente. As pessoas encomendavam e ela entregava na porta de suas casas. Ainda existem doceiras assim em Porto Alegre. Não é tão incomum quanto parece. Mas aquela doceira era. Seu nome era Manuela. Dona Manuela, como era chamada. Sempre foi solteira. Diziam que era bruxa. Outros, que era filha de um coronel da época da Revolução de 93. O certo mesmo é que ela tinha um costume muito estranho que todos conheciam mas ninguém comentava com ela.

Nos dias de temporais violentos, pouco antes deles chegarem, quando o céu de Porto Alegre se revoltava em nuvens pesadas e baixas e chovia intensamente, lateralmente, por cima, por baixo, quando parecia que os céus queriam destroçar a cidade, ainda mais nos altos dos Moinhos de Vento, a já velha, e parecia que era velha décadas a fio, saía de casa com uma cesta de doces em meio à ventania e os jogava para o cima e para os lados. Os vizinhos observavam atônitos, mas nada falavam. Temiam que um quebranto caísse sobre suas cabeças. Ela berrava palavras ininteligíveis e levantava os braços para as nuvens. Os doces jamais eram tirados dos locais onde caíam. Se um cachorro, uma criança ou mendigo juntasse e comesse, certamente passaria mal. E passavam mesmo.

A doceira morreu um dia em que de tanto levantar os braços, um raio a atingiu em cheio. Os doces torrados esparramados pela calçada e a velha caída no chão. Depois desse dia, a casa foi vendida por um primo distante, único herdeiro que a justiça encontrou, e depois destruída. Desde então a lenda que ela assombra os Moinhos de Vento em dias de temporal se propaga. E muitos julgam ter visto o fantasma da doceira. O estacionamento onde Everaldo trabalha fica exatamente no mesmo espaço da casa de Dona Manuela. Ele faz que não viu, mas jura ter visto a doceira levantando os braços e jogando doces para a chuva na hora do temporal. Quem sabe a velha está ali, agora, ao lado de Marina, juntando os doces que ninguém quis para fazer sabe-se lá o que. Marina não se importa. Ela não acredita em bruxedos. A não ser naqueles que estão envoltos em garrafas de champanha.

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