quinta-feira, 14 de julho de 2011

O CONTO DA BESTA

Texto que publiquei em 2004 originalmente em http://www.olobo.net/index.php/?pg=colunistas&id=182
(site organizado por Jean Scharlau com texto de Fausto Wolff e colaboradores).

O CONTO DA BESTA

O conto, como é descoberto, é a perfeição do estilo literário.  Se a literatura é o pão que alimenta nossa imaginação, o conto  é uma migalha perfeita. Pois o pão nada mais é que um amontoado  de migalhas. Talvez alguém responda.

Mas e o romance?  O romance não é pão. O romance é manteiga. Nosso alimento  é pão. Manteiga é complemento. Excesso. Romance é prazer. Conto é sede. Quem tem sede, bebe pouco. O conto é a excelência do  silêncio. Das entrelinhas. Do rigor poético do não-dito.

A história humana é recheada de pontos falhos. Daquilo que não  é dito. Se o romance e outros estilos são compostos por um longo choro, baixo e resistente, o conto é um grito de revolta. Podem dizer que não temos que nos revoltar. Mentira. Essa é a mentira pregada por aqueles que se alimentam de nossos 
sonhos e escrevem nossas vidas num roteiro sórdido.

O conto de descobre nesses momentos de lucidez que um ou outro  atravessa e consegue transpor em linguagem escrita. Mentem aqueles que dizem que a literatura não serve para nada. Serve sim. Toda a expressão artística é serviçal de algum propósito que, se a princípio pode parecer egoísta e individual, é um fim coletivo.

Diminuir a importância da literatura é desacreditar a linguagem. Desacreditada a linguagem, voltamos às trevas das bestas. Sem linguagem, somos bestas. O domínio da linguagem é o domínio  da sociedade que é regrada pela linguagem. Logo, a literatura,  expressão subjetiva da linguagem, é um instrumento de dominação.

E o conto, com sua perfeição reducionista, é o grito inconsciente de  uma coletividade prisioneira. A expressão artística é a arma da alma. É nela, e através dela, que realmente vivemos. Pelo menos, se me permitem meu individualismo arrogante,  é a minha vida. A vida expressa nos contos que vêm da alma 
rasgando minha pele e invadindo a vida de meus, ainda, pouco  leitores. A intimidade me faz sentir parte deles, neles viver e eles  viverem em mim, como se eu fosse um ladrão de suas vidas e eles 
enxergassem o que meus olhos coloridos enxergam. 

E mesmo assim não se deixem iludir. 

Estou ensinando a besta a escrever.

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